sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O meu amigo "Amigo"

             Hoje levantei e o dia estava cinzento. Levantei mais tarde porque parecia mais cedo. A neblina baixa, densa, quase um chuvisco, lembrando um dia de inverno. O sol escondido por detras de nuvens escuras, mais a bruma densa faziam com que a visibilidade fosse como se ainda não houvesse amanhecido.
   Calçei o tenis, vesti camisa de manga , bermuda meia canela e fui para a minha caminhada matinal.
Praia deserta. Nenhum pescador ( que alias, vão sempre cedinho ), nenhum caminhante,
nem gaivotas ou garças elegantes com suas pernas finas e longas.
Nem crianças correndo ou pandorgas no ar. Nenhum castelo de areia, apenas os de ontem
já seriamente danificados pela ação da noite.
       Nada. Ninguem. Será que não estava num filme, como um fantasma solitario caminhando por caminhos desertos ?
            A cena era magestosa. A imensidão imponente do mar, com seu rugido incansavel de um lado, e do outro, as casas, as arvores e tudo o mais, praticamente invisivel pela nevoa densa, pela neblina baixa.
Olho para todos os lado e não avisto nada.  Se o mundo fosse acabar, seria esse o cenario ? Tudo deserto, o mundo vazio ? ( de vez em quando me torno um tanto morbido ! ).
Por um momento, tive a impressão que iria desaparecer tambem, alguns passos adiante, dentro da bruma que tornava tudo invisivel.
   Me senti pequeno, como que perdido num cenario estranho. Se alguem me visse aí,
poderia supor tratar-se de um ser talvez de um outro mundo. Quem sabe !
                Ops ! agora passou uma moto, em alta velocidade.   E assim como surgiu,
tambem imediatamente desapareceu. Essa aparição subita, me desviou das minhas reflexões,  mas algo chamou logo minha atenção. Havia um objeto estranho a poucos metros, que não consegui identificar de onde me encontrava. Aproximei-me com cautela e  pude logo perceber, tratar-se de um cachorro. Um animal morto.
    Já nas proximidades, consegui fazer o reconhecimento. Pelugem amarela, de porte medio, enrigecido, ensanguentado. Mas o que chamou minha atenção foi a coleira que trazia no pescoço, com uma plaquinha de identificação. E nela se lia "AMIGO ".
   Seu nome havia sido Amigo.
                                                            Nesse momento me  senti profundamente perturbado, ante à visão de morte do meu amigo. Ontem, quando o vira, ainda estava vivo. Triste sim, aterrorizado, confuso pelo que acabara de acontecer em  sua vida,mas
estava vivo. Tinha o rabinho baixado, orelhas encolhidas, olhar perdido como quem pede socorro, como quem clama por ajuda.
     Não pude lhe dizer que havia sido abandonado, entregue à sua sorte, sem mais a proteção e os cuidados de quem, por tanto tempo, o teve sob sua guarda. Mas, nesse momento, minha alma gritou de dor, de inconformismo e de uma tristeza sem fim.
             Relembrei o encontro que tivemos, enquanto estava ajoelhado diante dele, chorando pela dor de ontem, e pela dor profunda desse momento.
Passei a mão pela sua cabeça ( o que será que sentem os mortos quando acariciados por aqueles que os amaram  ? ). Seu corpo estava frio, pêlos endurecidos, mas seus olhos ainda estavam abertos, para talvez, no ultimo momento, encontrar ainda uma saida, uma
explicação.
                Morreu , quem sabe, atropelado, porque se encontrava bastante machucado.
Não conseguiu se defender dos perigos da noite. Morreu assim como os que, tambem,  não conseguem se defender dos perigos da vida. Aqueles que já não contam, que não fazem mais parte, que não tem mais lugar na mesa, nem no coração de ninguem. À deriva. Homem ao mar !

        Peguei-o no colo e o carreguei para a duna mais proxima, onde havia uma grande
frondosa. Parecia um lugar adequado. Foi facil cavar, na areia solta, uma cova rasa.
E ali enterrei então o Amigo, que, por um dia, havia sido meu amigo.
Enterrado à beira mar, sob a sombra de uma grande arvore.
Catei dois gravetos e fiz uma pequena cruz. E  num pedaçinho de papel escrevi seu nome, pois se alguem, acaso, por ali  passasse,  saberia que ali estava enterrado o Amigo, que, por um  dia, foi meu amigo.

          Depois me sentei, recurvado no tronco da grande arvore.
As brumas já haviam dissipado e o sol  andava alto . Os pescadores  voltaram, pessoas indo e vindo na sua caminhada matinal, as gaivotas, as garças,
pandorgas no ar e castelos de areia .
   Rotina de praia, as coisas de sempre, tudo igual.
    
         Tudo continuava igual, apesar de tanta coisa ter mudado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário