sábado, 4 de abril de 2015

O MONOLOGO ESPERTO DA RAPOSA.


A raposa estava presa na armadilha
em que havia caido na noite anterior,
procurando por algum alimento.

Achava-se encolhida na sua trapeira,
enquanto esperava seu destino ser decretado.
Nunca se vira numa situação parecida,
mas bem que presumia,
os ventos não lhe serem favoraveis.

Não havia nada que pudesse ser feito
que não fosse simplesmente esperar.
E enquanto esperava por sua sorte,
manteve um monologo silencioso consigo mesma,
a cerca das vicissitudes da vida.

Não podia compreender as razões por ser assim perseguida,
quando outros animais são feitos de estimação,
amados por todos, pelos mesmos que querem destrui-la.

Não sentia-se bem vinda, ou admirada nesse mundo de deus.
Alias, nunca soube de um caso sequer 
em que uma raposa tenha sido domesticada. 
Sua raça sempre fora renegada, alem de perseguida com crueldade. Por isso tornou-se uma criatura da noite, vivendo nas sombras,
com extrema austeridade.

Não era capaz de compreender sua sina, 
objeto de tanto odio e discriminação.
Seria talvez por seu focinho alongado, sua pelugem aspera,
suas perninhas curtas, ou, quem sabe, devido sua coloração ?

Veio-lhe então à mente uma indagação singular.
Haveria tambem entre os humanos,
gente que carregasse o mesmo estigma que ela ?
Excluidos e descartados assim como sua raça ?

Ficou pensativa, refletindo sobre o fato.
Não poderia nunca sabê-lo ao certo, 
mas a desconfiança repercutia nela como quase certeza.

Imaginava que aqueles que odeiam raposas,
devem, com certeza, odiar outras coisas mais,
pois o odio é sempre seletivo. Ao que se tem hostilidade 
lá fora, deve, provavelmente, ligar com algo interno
equivalente, embora ainda não percebido.

Sentia-se animada com suas ilações subjetivas, com sua 
lucidez e genialidade, considerando-se, sem vaidade,
uma raposa brilhante.

Especulou que o feio que se despreza fora, 
não deve ser diferente de alguma feiura interna.
Toda retrato, tem sempre seu negativo.

A raposinha cativa estava perdida num mundo de abstrações,
tentando entender as malquerenças que a brutalizam,
assim como o desamor que apequena outros tantos. 

Em parte ficou satisfeita, pois compreendeu que o desprezo
que sofre, não é, provavelmente, nada pessoal.
Não é odiada simplesmente por ser raposa,
mas porque existe uma "raposa" interna, 
naqueles que a odeiam. 

Menos mal, pensou, mesmo assim doi.

P.S.  Mais tarde o bichinho foi solto,     
        em algum espaço mais seguro.
        E enquanto desaparecia por entre o matagal, 
        sentiu-se realmente feliz, afinal, não havia virado defunto, 
        mas em especial por ter vislumbrado algo
        sobre os labirintos obscuros, que envolvem as emoções 
        da criatura humana.
        Sentiu-se então abençoada por ser simplesmente uma raposa.