quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS PASSARINHOS, A CALMARIA... É FERIADO !


No fio de luz um passarinho solitario, silencioso... que estaria
pensando, no seu silencio, ao observar atento ?

O ceu de todo azul, alguns floquinhos brancos, apenas,
 como algodão esvoaçante, contracenando com a intensa luminosidade do firmamento colorido.

A aragem suave, qual caricia sedutora, sacode as folhas
num farfalhar delicado, produzindo um som melodioso,
 como quem ensaia uma cantiga alegre.

É feriado. Ainda manhã bem cedinho.
Os caminhos, sem transeuntes, 
e as ruas, sem movimento.

Ao longe o ruido de alguem cortando lenha.
Depois, novamente, o silencio.

Um sabiá cantando...
Folhas caidas, coloridas,
 rolando lentamente ao sabor do vento de outono.

Um cão latindo à distancia ...  parecendo triste,
como quem está solitario.

Pequeninas flores vermelhas no canteiro da rua,
desejando bom dia aos transeuntes fortuitos.
Desejei-lhes tambem toda sorte do mundo.
Elas ficaram felizes...

Um gato no muro, espreguiçando ao sol,
indiferente ao meu passo, à minha passagem.
Apenas um rapido olhar,
como quem deseja um bom dia

Reconheci seu pio... uma pequena caruira, 
empoleira entre os arbustos, com seu cantarolar discreto.
Lembrou-me da infancia, povoada de passarinhos... 
quase saudade.

E a sirene estridente da faceira cigarra ? 
Espalhafatosa, mas, sem duvida, festiva.
Que faz o louva-deus para estar assim... sempre alegre ?

Um carro passa rapido com som estridente.
Fiquei pensando... quanta loucura se faz necessaria
para fazer-se notar.

São como um bando de seres invisiveis, fantasmas ... essas
figuras barulhentas.  Estão aí, querem fazer parte, 
mas não fazem mais que numero.
Tem cartão de identidade,
apesar de não terem identidade alguma. 

A algazarra dos pardais desviou meu pensamento...
são barulhentos, sem serem enfadonhos... são seres alegres,
felizes... satisfeitos.

É feriado. E as manhãs de feriado são contemplativas,
enfeitadas de poesia... e um quezinho sutil de saudade !   



domingo, 20 de abril de 2014

O TRANSEUNTE MISTERIOSO


Passou por mim como todos os transeuntes passam.
Uns, apressados, esquivando-se por entre a multidão,
como se fossem acossados.
Outros, proseiam, enquanto seguem em frente,
mas da mesma forma tensos, confusos, e pesados.

É o burburindo das calçadas, gente cruzando,
se entrecruzando, no mesmo sentido, em sentido contrario,
num alvoroço intenso, parecendo improvavel alcançar a meta.

Que destino é esse que se busca com passo nervoso,
 mente confusa, medo e hesitação ?

Seguia eu com meus quarenta pensamentos, tentando encontrar tambem minha sorte, meu norte, meu sossego.

De repente... um assobio. Alguem assobiando baixinho,
como quem cantarola uma toada feliz. Um acalanto para
serenar a alma em meio à confusão do mundo.

Gostei da cantiga. Lembrou-me uma canção antiga, já de 
todo esquecida, mas que retorna à lembrança, de mansinho,
como quem chega de longe.  

Como poderia alguem manter-se imperturbavel, 
em meio à massa alvoroçada, enlouquecida, levada pela
correnteza dos temores e apreensões ?

Seguia assobiando baixinho seu acalanto de sossego...

Certamente, não carregava o peso de pensamentos,
 assobiando descontraidamente, como se distante
da multidão enfurecida.

Procurei, por entre os passantes, quem seria a figura
estranha, entoando, no meio do tumulto, uma canção animada.

Procurei em vão, e, com isso, o som tambem silenciou. 
Mas ficou comigo uma sensação de conforto, de alivio, de bem
estar. Aquele assobio, ouvido no meio da multidão, fez meu passo mais tranquilo, minha cabeça menos confusa. E uma estranha lucidez tomou conta do meu ser.

O personagem desconhecido, com seu assobio festivo,
 em meio ao alvoroço do mundo, mostrou-me que o passo
pode ser menos tenso, que as incertezas fazem parte,
e que  a atmosfera interna não tem de seguir 
a inquietação externa.

A disposição interna para cantarolar baixinho
 uma canção feliz, desacelera o tumulto da mente,
 a pressa do passo,e a descrença na vida. 

Desejei-lhe toda sorte do mundo - o transeunte misterioso -
 por trazer-me à lembrança minha cantiga antiga, aquela...
 esquecida por tanto tempo.

E, no meio de tantos passos desencontrados,
senti saudade... como pude ter esquecido...
houve tempo em que trouxe alegria,
mas, perdido em pensamentos...
deve ter sido isso...
pensamentos...  
e a melodia se perdeu,
assim como se perde tanta coisa pelos caminhos, 
encontrá-las de volta, 
somente com as benesses do senhor Alá !

Um assobio... 










sexta-feira, 11 de abril de 2014

PARA ONDE FOI O TEMPO PERDIDO ?


O tempo perdido.
Já houve tempo em que imaginava
esse tempo poder recuperar.

Mas tempo perdido,
não acha mais de volta.

Tantos caminhos não batidos,
 vivencias desperdiçadas,
e tanta experiencia sem nunca ter sido testada.

O não vivido de ontem,
não será mais encontrado
em alguma curva do tempo,
ou em alguma caixinha guardada
no fundo de qualquer bau.

O desconforto de hoje,
não será talvez pela aventura não vivida,
pela alegria daquele momento
que tanto justificou em não viver ?

Havia medo, não havia ?
Ou, quem sabe, apenas displicencia,
pois há o tempo em que se imagina
haver sempre tempo disponivel,
oportunidades sem fim,
para viver o que deixou-se escapar.

Mas perde-se com isso tambem o traquejo, 
o jeito pela aventura,
o gosto pelo imprevisivel.

Agora o momento é outro,
o contexto não é o mesmo,
e as exigencias mudaram.

Os mesmos motivos que evocou na epoca
para não viver o momento,
para não entusiasmar-se,
são hoje novamente evocados
para não viver este momento.

O não vivido de ontem
repercute hoje em forma de dificuldade
para solenizar esse instante.
Falta o traquejo e o jeito para a coisa.

Assim, nem o tempo, nem a distancia
são situações favoraveis
para recuperar o tempo perdido.

Mas, para quem não se perde no tempo,
olho vidrado em retrovisor,
há sempre tempo disponivel
para viver este tempo, 
e celebrar este momento.

sábado, 5 de abril de 2014

O INFERNO DE DONA MARIA


 - Como está, Da. Maria ?
 - Um pouquinho melhor. Já não doi tanto, e o enchume
      tambem já cedeu um pouco.
 - Que bom, Da. Maria. Espero que melhore de todo. 
      Fique com Deus.
 - Vai com ele tambem.
 E cada uma seguiu seu proprio caminho.

 Um tempo mais tarde...

 - Olá, Da. Maria, que bom revê-la. Como tem passado ?
 - Ihch, minha filha, piorei de todo. Estou indo para o medico.
     Até acho que o tratamento não serviu para nada. 
       Já não sei  o que fazer com essas dores, 
       com esse sofrimento sem fim.
 - Não se entregue, Da. Maria. Continue a tomar seus remedios
     e fé em Deus.
 - Fé que não falta, minha filha, o que falta é o doutor acertar
     o remedio.

 Cabisbaixa, desanimada, acenou para a amiga, se despedindo.

 A outra ficou pensando na luta da amiga. Quanto sofrimento !
     Sempre doente, correndo de um lado para o outro,
      de consulta em consulta, exames interminaveis, RX, eletro,
       RM e sabe lá Deus quanta embromação a mais. Mas, 
       solução, que é bom, nada. Enquanto isso o coração continua
       descompassado, a tireoide pifada, diabetes sem controle,
       afora as cirurgias sem conta, e por aí segue a via crucis 
       interminavel da infeliz Da. Maria.

Dia desses pensou em acabar com tudo, porque viver dessa
        maneira perdeu toda graça. Mas faltou-lhe coragem, e teve
        medo da dor. Ouviu falar que se matar doi muito, alem do
        que, poderia parar no inferno. 
        Mas, inferno por inferno... mesmo assim, deixou para lá.
      

 Os filhos não estão nem aí,
        pois cada um está pela propria sorte. O primeiro marido
        já se mandou, faz tempo, e o atual, esse tambem está sem 
        serventia. Um imprestavel, resmunga ela baixinho.

O padre Francisco lhe falou que é para aguentar, pois quem não
       desiste, tem o paraiso assegurado. 
        Despediu-se do reverendo, e ficou pensando nesse tal de     
        paraiso. Achou o conselho um pé no saco, pois se soubesse
        da sua situação, não falaria tanta tolice.
         Seguiu então seu caminho, mais desconsolada ainda, sem
         norte, sem esperança e sem estimulo qualquer.

Há um tempo em que a pessoa transforma-se num simples 
       amontoado de dores, de queixas que ninguem ouve, 
       de peso que já não consegue carregar. 
        Está só. Até de si mesma.

Agarra-se então às caixinhas com seus comprimidos coloridos,
      ultimo alento para quem tudo perdeu, não tendo mais
      em que se segurar. Mas, quando o encanto da vida se foi, o
      desejo de viver escorregou pelo mesmo ralo, 
       esperando até que o medicamento não funcione,
        desfazendo-se assim da vida, sem sentimento de culpa.

Quem não encontra mais sentido na vida, nada mais poderá ajudar.
        A vontade primordial da vida não está mais
       presente. Perambula pelo mundo como um fantasma.
       Um fantasma mal-assombrado. 
       Já está morto. Faz tempo. Falta apenas anunciar o funeral.