domingo, 5 de fevereiro de 2012

APENAS OUVIR APENAS OLHAR

                Era um encontro familiar como todos os encontros do final da tarde de domingo. Nos reuniamos sempre, talvez por não ter o que fazer, e porque tambem os finais de tarde de domingo evocam uma energia estranha, um certo abatimento, um desconforto interior, quase melancolia. E estar com outras pessoas parece que melhora
esse mormaço de estade de animo.
Isso que dona Maria estava me relatando, já ouvi de outras pessoas, que dizem  não gostar tambem das tardes de domingo.
     Entretanto, continua ela, esse final de tarde não foi igual aos outros, em que reunimos todos, parentes, alguns amigos e vizinhos, para um bate-papo descontraido, roda de chimarrão, pipoca salgada e rapadura doce.
   O estranho, dizia ela, não haver nada de diferente.  As pessoas eram as mesmas, a conversa era a de sempre, o mesmo mate, as pipocas, a rapadura. O tio sentado na mesma cadeira, a tia ao seu lado,( depois de tantos anos juntos, ainda sentam juntos na roda de amigo ). Bonito ! ( não é o que acontece com muitos, depois de tanto tempo juntos). A tia Joana, sentada perto de mim, é uma das viuvas da familia. Não é de falar muito. Gosta mais de ouvir e rir das coisas engraçadas que os outros contam.
O tio João, esse sim é falante, e é o que anima  a roda com seus causos e sua gargalhada ruidosa ( eu tenho tambem um amigo com gargalhada semelhante ! ).
   Meu marido estava na outra ponta da roda.  Fica escutando, mas acho que é mais por boas maneiras. Parece que não está aí, pensando em tanta coisa, perdido em ideias, negocios, preocupações. Já me acostumei. Ele  é sempre assim.
A vizinha Alice tambem estava aí, e gosta de uma boa fofoca !
Há mais pessoas na roda, as crianças brincando no campinho ao lado, outras andando de bici, meninas à parte com suas conversas de menina.
Dois cuscos se agitando, tentando se pegar, rolando pela grama, se mordiscando. Estavam felizes.
Dois João-de-barro cantando em unissono e sacudindo simultaneamente suas asinhas, como quem bate palma e está contente.
Um beija-flor passando rapido em busca, quem sabe de outra flor para beijar.

Dona Maria  ia me contava essas coisas, e eu tinha a impressão de estar vendo um filme, imagens se sucedendo em camera lenta para ter tempo suficiente de observação.
Cada cena com seu tempo, com sua peculiaridade, com sua beleza ( sempre que se olha sem pressa e sem fazer juizo de avaliação, tudo se torna lindo ).

                  E para que isso aconteça, basta apenas olhar, apenas ouvir para poder estar aí, integrado dentro do cenario, fazendo parte. Não há mais plateia nem palco, mas tudo integrado dentro de um espaço que unifica tudo. O que bate palma é o mesmo que
 atua. E é exatamente a atenção que cria essa presença, essa capacidade de perceber.

         A atenção cria um espaço silencioso de pura consciencia, de uma profunda magia
onde não há pensamento.  Um espaço sagrado para que esse momento possa ser
acolhido.
                       No mais das vezes, usamos a atenção para aquilo que estamos pensando.
Não se ouve nada. Não se vê nada. Apenas a atenção centrada na confusão da cabeça.
                         
                  A vida acontece nesse vazio criado pela presença, pela atenção. Se o utero não estiver vazio, não poderá gerar vida. E utero cheio de miomas, não está disponivel para dar continencia à vida.

                  Dona Maria se deu conta que o final de tarde desse domingo foi diferente, 
porque aconteceu algo diferente dentro da sua cabeça. Talvez tenha sido a primeira vez
que olhou para as coisas com atenção e, desse modo, criado um espaço,  um vazio por onde a vida flui. Talvez tenha sido a primeira que teve a sensação do que significa estar vivo, do verdadeiro significado da vida.
  Apenas olhando. Apenas ouvindo de cabeça vazia, sem ideias, sem julgamentos.

           E não é esse, afinal de contas, o grande segredo da vida ?

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