sábado, 23 de fevereiro de 2013

QUANDO O ESPELHO SE QUEBRA



     Debater sobre esse assunto, é, sem duvida, um dos maiores desafios a que alguem possa lançar-se.
Sofremos. Todos.  E não há quem não esteja comprometido com projetos cuja intenção seja livrar-se de adversidades, ou encontrar saidas para tantos impasses, minimizando contratempos e fatalidades.

Esse procedimento visa, contudo, tão somente a solução das dificuldades uma vez manifestas, a resposta a ser dada ao que já está aí desequilibrando as estruturas da realidade. Lida
com o efeito dos fatos, e não com aquilo que lhe deu origem.

Buscar salvaguardas uma vez a casa caida, não parece indicar a conduta mais pertinente, quando objetiva-se viver em paz, livre de contingencias e adversidades do acaso.

Compreender a causa, seja do que for, põe a pessoa em condições mais favoraveis frente aos imprevistos e desencantos que a vida  oferece, possibilitando condutas preventivas, ou formalidades profilaticas. 

Assim, conhecer a mecanica e os caminhos que estruturam
 a complexidade e descontroles, levando a tormentos infindaveis, ajusta-nos com mais propriedade e lucidez quanto às escolhas e posturas a serem adotadas sempre que
a intervenção se faça necessaria.

Sofremos. A humanidade sofre. Não há porventura mais lagrimas e amargura que contentamento e harmonia ? Mais desencontros e perplexidade que serenidade e alegria ?
Sendo esse o proposito de todos para estarmos bem, qual a justificativa afinal para tão poucos alcançem o ponto ?

Busquei ao longo dos anos, fazendo disso minha agenda predileta, como um projeto de vida,  compreender a natureza que fundamenta e estrutura a tragedia humano.

Enfim, porque sofremos ?
Sem termos o conhecimento da forma como fomos estruturados e a essencia do que somos, torna-se uma tarefa
improvavel estarmos a salvo das armadilhas astutas
 que a vida nos coloca.

Somos uma unidade constituida de duas partes, como duas entidades separadas, duas polaridades opostas que se complementam.
Elementos de natureza dessemelhante, mas que a seu devido tempo terão de integrar-se para  a totalidade ser vivida.

Uma dessas entidades vincula-se com a pessoa social, com a atuação no mundo formal das coisas. Determina a estrutura
da forma como colocar-se no mundo e diante dos demais. Responsavel , portanto, pelo inter-relacionamento. E mais,
é o que organiza o mundo, dando ordem ao caos na estruturação da realidade de cada um.

Esse aspecto é como um protetor, um guardião que disputa um espaço vital dentro do qual a pessoa possa colocar-se.
Tudo que sabemos, fazemos e conhecemos, como seres humanos, é obra dessa particularidade. Sem ela não haveria um mundo assim como o conhecemos. E mais, uma organização social onde a vida
humana se estrutura. Em outras palavras, é responsavel pelo mundo
da forma, o mundo das coisas.

Sua atuação é no sentido de proteger-nos para que possamos
estar seguros, ou, ao menos, nos sentirmos como tal.
É vigilante, intolerante e astuciosa em toda sua forma de agir. Participa de tal maneira na vida, que seu posicionamento em tudo é sempre o elemento mais importante de nossas vidas.
Guardião mesquinho e despotico, busca, traves de todas as
formas possiveis, validadas ou não, resguardar seu territorio,  que tenta ampliar a qualquer custo, pois reside aí  seu senso de segurança e proteção. 

É o que estrutura a percepção do eu, o mim e o meu. Tudo o que
se relaciona ao aspecto pessoal, é determinado por esse polo da
polaridade.

    É o que faz a realidade ser o que é, pois é o que cria a
realidade. Devido a isso, ocupa o ponto mais alto no que diz respeito ao sentimento de importancia na vida pessoal.
Afinal, nada é mais importante que nos sentirmos importantes, não é assim ? É o eu em nós que cria essa imagem.
Detentora do poder de criar, não apenas o mundo da forma, mas uma imagem de identificação que levamos ao mundo para sermos visto. A imagem do nosso merito, da nossa importancia.

Sua função é julgar, avaliar e evidenciar. É devido a isso que faz o mundo. Faz o mundo porque observa e o avalia de acordo com suas regras. Faz as regras pelas quais apreende o mundo. Valida ou não as coisas em função do seu ponto de vista, do seu julgamento. Nasce assim nosso lado mesquinho e despotico. Nossa visão individualista e particular, consequencia de estarmos vivendo apenas uma
parte, uma faceta do todo que somos. Agarramo-nos à forma
que conhecemos na disputa de um espaço vital. Marcamos
o territorio, abrindo caminho, atraves da superação 
dos demais.
Não sentir-se superior gera a imagem de sermos menos. É nesse tabuleiro que desenrola-se o jogo da vida, ao menos
até estarmos aprisionados à unilateralidade do nosso ser.
Julgamo-nos e somos tambem avaliados tomando como medida
o outro. O parametro é sempre o outro. Se tenho o que o outro não tem, eu sou mais. É esse o joguinho que jogamos desde pequeninos e que não cessa mais ao longo da vida toda.

Somos, individualmente, diferentes uns dos outros, mas somos todos parecidos. Agimos todos da mesma forma, dominados pela mesma entidade, ou seja, pela mesma necessidade de sermos mais, melhores, superiores que o restante.
 Coletivamente somos todos iguais, cada um em particular, no entanto, é um caso individual. O instrumento de atuação é o mesmo, conduzido, porem, dentro das possibilidades de cada um.

 Tudo o que sabemos a respeito de nós mesmos e do 
 mundo pertence a essa singularidade. Tomamos consciencia de nós mesmos,  à medida que formos criando uma imagem dentro da qual nos identificamos. E essa imagem vai-se moldando pela comparação com os demais. Vou me percebendo atraves da visão do outro. Portanto, a ideia que fazemos da gente, é feita de uma
imagem. Somos a imagem  que vamos construindo em função do desempenho, que se transforma em prestigio e visibilidade.

 Necessitamos do espelho do mundo para que possamos nos ver refletidos. Se não houvesse esse termo de comparação com o outro,
o que seriamos ? O outro é a medida de avaliação de cada um.

  Essa faceta vai desenvolvendo-se, adquirindo poder e visibilidade, mas começa, na mesma medida, a aumentar um sentimento de deficiencia e invalidação, que nos informa  não termos acesso à paz, estabilidade e senso de proporção, seguindo os criterios escolhidos à priori.
Tornamo-nos importantes, entulhados com futilidades além da
sensatez, e, mais, tendo alcançado metas talvez nunca imaginadas.
              Ficamos ofuscados pela esperteza e capacidade de funcionar no mundo, que nos confundimos com essa faceta, tornando-se nossa carta de auto-reconhecimento. E, paradoxalmente, quanto mais a eficiencia for-se aprimorando, mais
intensa torna-se a sensação de incompletude e falta. Reagimos a isso acumulando mais e mais ainda, qual faminto que
 seu apetite não sacia, mesmo prestes a explodir.

Esse movimento oblitera o mais leve vislumbre da contraparte da totalidade, um nivel mais profundo em que funcionamos dentro de outras diretrizes, com outras regras,  onde o passo se torna mais seguro e a vida com
outro significado.

Pelo fato de dificilmente abrirmos mão do mapa que nos deu norte até então, a resistencia dessa entidade-eu será confrontada com algo que lhe escapa do controle, para que a contra-parte possa manifestar-se.
O imprevisto entrará em ação e se verá então tomado pela
perplexidade e o espanto. Refem da emboscada, não terá
salvaguardas para seu resgate.

Há momentos na vida em que não há o que fazer para
modificar as coisas. E isso parece ser nossa destruição.
Não é. É apenas o mecanismo para ter-se acesso ao outro
nivel, o outro polo da unidade do ser. Mas o polo oposto
reage, não querendo entregar-se, ou abrir mão das suas salvaguardas tão uteis até então.
Quer manter o controle das ações resistindo, calculando,
explicando, mas, por fim, sentir-se-á esgotado inutilmente.
Busca estrategias salvadoras, com besteiras racionais, bloqueando a ação desse nivel mais profundo onde a solução
acontece sem esforço, pois se fará a seu devido tempo e à
sua maneira. Nesse nivel, funcionamos num outro tempo, com outras regras e estrategias desconhecidas.

Pouco pode ser feito para modificar a situação, atraves da racionalização, mas tentamos fazer a coisa acontecer, forçando soluções na cabeça para livrar-se daquilo. Contudo, tal não compete ao enfoque da racionalidade.

O medo é racional. É um movimento proposto pelas ideias,
e enquanto estiver sob o efeito da emoção, a razão irá bloquear qualquer possibilidade de solução.
Um susto fragiliza o poder do entendimento, dessa faceta que justifica, explica, informa e se mobiliza para a ação.

Os contratempos e efeitos da má sorte tem a função de fragilizar essa entidade-eu, mas não pode reduzir-se a tal ponto que desapareça de cena, pois nada mais restaria da pessoa.
Esse poder tem de diminuir ( a necessidade da auto-importancia, ou mesmo da comiseração etc ), no entanto,
enquanto se reduz, deve imediatamente deter essa redução.
A solução não passa por largar-se, achar que nada mais importa e render-se às adversidades em total abandono de si.

Nem a arrogancia prepotente, nem a humildade avassaladora.
Não queremos encarar os imprevistos, as surpresas e as desgraças. Negamo-nos  olhar para uma realidade  que 
desconhecemos. Não somos capazes de dar credito que existam outros mundos capazes de passar diante de nossas janelas estreitas.
              O mundo organizado pelo racional sofreu um abalo em sua estrutura, por isso a perplexidade e a desolação. Agarramo-nos ao nosso padrão mental para recuperar nosso mundo como sempre foi. Odiamos as suspresas que impõe temor. Estamos viciados para olhar pelas mesmas janelas de sempre, contemplando um mundinho tedioso, feito de monotonia, cansativo, mas, de certa forma, conveniente e protetor.

Tentamos rearranjar a realidade despedaçada, mas isso não leva a modificação alguma. Continuamos os mesmos, com as mesmas duvidas, angustias e ganancia, tentando proteger
nossa fragilidade com mais conquistas, e a imagem com
mais ostentação. Afinal, é isso que aprendemos. Agarramo-nos ao que aprendemos, incapazes de visualizar alternativas fora dos limites seguros da razão.

Enquanto a mente estiver no controle, a totalidade do que somos, não poderá expressar-se. Ceder a esse controle de boa vontade é o primeiro movimento para a grande virada, pois ficou claro que permanecer na mesma dinamica,
não conduzirá às transformações necessarias que darão um novo sentido à vida. Mas ceder a isso de boa vontade é talvez o passo mais notavel que um ser humano possa dar. Sem essa entrega, a
alternativa que resta, é o sofrimento.

Auto-importancia, piedade de si mesmo, ganancia e todo o conteudo a mais utilizado como salvaguarda da nossa realidade, quando estivermos livres, por fim, dessas coisas, nos tornaremos fortes, alcançando nosso verdadeiro poder pessoal.
               É quando  menos transforma-se em mais, e o vazio torna-se completo.
Ao largar mão das necessidades para sentir-se forte, é que
conhecerá por fim a verdadeira realização, e poderá saber então de que materia afinal é construido.
                  A oportunidade de reduzir o poder do mundo da razão ( quando os reveses da sorte nos abatem ), é o momento de desfazer-se das fraquezas e tudo mais quanto  nos domina, para assumirmos um outro nivel,
e contemplarmos panoramas desconhecidos, 
 maravilhando-nos diante das janelinhas estreitas por onde
até então espiamos amedrontados um leve vislumbre de
possibilidades inimaginadas.

Chega o momento na vida em que se faz de todo urgente renunciar às garantias propostas pela razão. Entretanto,
renunciar, não é desistir, ou entregar-se ao desespero, ou
 largar-se para o desanimo. É tão somente constatar que as estrategias usadas até então na construção de uma realidade de vida, não serão mais de utilidade, nem tampouco
 passiveis de proteger-nos.

O tempo não é mais da razão. Fomos conduzidos para um outro roteiro e o cenario não nos é conhecido.
A mente coloca-nos do lado seguro da cerca, um terreno
conhecido, onde todos os regulamentos são sabidos.
Fora dos limites seguros da razão, ninguem mais está protegido e a vida da pessoa pode ser varrida como folha ao vento. Reside aqui um dos paradoxos mais complexos na compreensão da mecanica do sofrimento humano. Sem reduzir o poder da racionalidade, as portas de novas possibilidades continuam fechadas. No entanto, essa faceta
não pode ser destruida. Isto é, exatamente o que nos torna confusos e seres de sofrimento sem fim, é essa faceta que nos colocará em
concordancia e comunicação com o polo oposto, para que a conjunção se faça, e a unidade se estabeleça.

Reconhecer a dor mas sem entregar-se a ela, nem sucumbir sob seus efeitos, é o que diferencia a pessoa comum daquela que está em busca de si mesmo, da totalidade do seu ser.

É como se a dor desempenhasse a função de faxina, descartando pesos superfluos, penduricalhos desnecessarios,
para podermos seguir em frente, a mente como coadjuvante
e a função não racional como protagonista.
Estariam, dessa forma, integradas as suas polaridades, e a
unidade ( a totalidade do ser ) estaria configurada.

Esse é o momento supremo, a redenção pessoal, onde se terá, por fim, alcançada a compreensão da verdadeira
natureza do ser humano.
Funcionamos na vida em função do que sabemos, entretanto sabemos bem mais do que imaginamos saber. Mas, para tanto, necessitamos desse complemento que se encontra ofuscado pela parte que sabe.

Quando a imagem do espelho se extingue, o proprio espelho
se quebra. Pois qual a necessidade dele, não
havendo mais o que refletir ?














domingo, 17 de fevereiro de 2013

A FERINA ARTE DA MÁ LINGUA



A critica velada, silenciosa, aquela que ninguem ouve 
porque acontece meramente na cabeça, é a forma mais maligna,  ao mesmo tempo mais sutil e aguda onde perdemos nossa energia, isto é, nossa competência e recursos para tudo que somos chamados a intervir.

 Quanto mais energia disponível maior a capacidade  de resposta com relação ao equacionamento das questões do dia a dia.  E o que diferencia entre si as pessoas, segundo sua competência e habilidade, é exatamente sua situação energética, que se relaciona ao seu poder de execução.

Já se deu conta que  eficiência e rendimento, seja na atividade que for, não vincula-se com depreciação e censura ? Estar à cata de defeitos ou culpados torna tudo mais confuso, gerando constrangimento e hesitação.

A indagação faz-se então inevitavel. Porque a necessidade, quase vital e imprescindível, que temos todos, para a critica e o despotismo ? Porque precisamos encontrar defeito ou algum senão para onde nosso olhar  se estica ? Nada parece ser mais universal e premente que essa característica humana da depreciação.

Já que criticismo e perda de força se vinculam entre si, de  maneira inversa, precisamos compreender a causa dessa conduta, para termos, assim, condições de superar a limitação.

A critica é a manifestação tornada publico, ou, ao menos, liberada, das nossas crenças, dentro das quais está bloqueada nossa capacidade de acolher a realidade de como as coisas são, apesar da nossa total falta de percepção do fato. Isto é, criticamos, mas, no mais das vezes, não damo-nos conta do fato. É um comportamento de todo natural, como um ato reflexo, espontâneo e involuntário. E considerado valido por sua universalidade ( quando a fraqueza é coletiva, exime de culpa geral, ou, ao menos, suaviza o enfoque pessoal ).

  Criticamos porque o ponto não acomoda-se às  nossas convicções e preferencias da forma  como a realidade se apresenta.

Na critica defendemos nosso padrão de crenças, nossa visão de mundo, de como tudo deve ser ou se conduzir. Juiz implacável, nosso ponto de vista determina o comportamento e o relacionamento inter-pessoal. Convivemos com o mundo dentro desse modelo paradigmático, não cedendo em nada daquilo considerado  como  correto. Estamos convictos, plenamente, que nossos pontos de avaliação são infalíveis e sem contestação. Por isso a defesa veemente através da critica implacável.

A pessoa obriga-se a obedecer aos seus próprios conceitos e caprichos, pois, uma vez aceitos, torna-se improvável que não lhes dê continência e fidelidade absoluta. Torna-se escravo das proprias escolhas e convicções.

Se quiser avaliar o quanto sua vida está identificada com padrões rígidos de opinião, basta constatar o quanto seu mundo do dia a dia está envolvido em juizos de valor. A importância disso é que a qualidade das circunstancias dentro das quais desenvolve-se a vida, está ajustada a essa caracteristica. Em outras palavras, vivemos  em função dessa necessidade aflitiva de tudo ter que adaptar-se à bitola das nossas opções. Frente à discordância dos fatos sentimo-nos embaraçados,  e, desgostosos, resistimos, internamente, contra-atacando, com criticas implacaveis, seja, ou em forma de discursos para os ouvidos ouvirem, ou então silenciosos, mas retumbando na cabeça, e não com menos ironia e acidez.

A simples observação de um fato implica deixar de julgá-lo num sentido moral, quer condenando ou perdoando. Ver sem pensar, tampouco emitir qualquer juízo de valor. Não compará-lo com  gabarito qualquer, supondo ter que ajustar-se a esse ou aquele modelo.

Essa medida não leva à perda do padrão de energia, ou  desgaste do espírito. Isso evidencia-se assim que há envolvimento emocional, mediante sentimentos de descontrole e tumulto, desfazendo-se o equilíbrio interno. 
 Cabe aqui uma apreciação relevante. Não que tenhamos que passar ao largo, em atitude impassível, concordante,  quando confrontados com aspectos conflitantes com nossos pontos de vista. Se considerarmos conveniente e apropriado para o momento, não iremos nos abster no intuito de não contrariar,  mas participar opinando, através de colocações pertinentes e sinceras. Crítica, sim, mas sem  zanga, ou obsessão fanática na imposição do ponto com o proposito de sentir-se importante, valorizado frente seu oponente.

Criticar, sem se zangar. Não me parece próprio da pessoa comum. A imagem é fascinante, a dificuldade,  todavia, encontra-se no mesmo plano.

Esse sentimento de embaraço busca a critica como elemento de defesa para antepor-se à perturbação e revolta. É esse movimento psíquico drenador relevante das nossas forças internas e poder de atuação.

Fica assim de fácil compreensão a evidente  relação de causa e efeito entre  criticismo e a forma de adoecer. A critica fragiliza não apenas o espírito, como o funcionamento vital do organismo, através do seqüestro de energia, diminuindo seus níveis.

Sabemos que sentir tem relação com energia. Alegria produz um acréscimo no seu reservatório, enquanto  o pesar, o reduz.

O ranzinza e inconformado, não pára de aumentar seu arsenal terapêutico consumindo cada vez mais medicamentos  contra  males de toda ordem, incapaz de compreender o verdadeiro cenário dentro do qual desencadeiam-se os eventos da sua realidade. Drenando suas forças vitais, vulnerabiliza o sistema de defesa, desequilibrando a funcionalidade dos orgãos.

Enxaqueca não é apenas dor na cabeça, tampouco unha encravada é unha que cresce torto. Sabemos que o corpo não pode apresentar-se de forma diferente daquilo que passa pelo mundo das emoções. Tentamos corrigir com química o que é  competência da alegria, da paz interior e sossego com tudo o mais.

Quando dirigimos nossa atenção para o enfoque errado, o preço da conta a ser pago, é sempre elevado.
A quimica não é recurso para as mazelas do espirito ou desencontros da vida.

A verdade é que somos viciados em critica. Amamos criticar na igual proporção em que odiamos ser criticados. A critica fragiliza, e é por isso que tornamo-nos vulneráveis `a sua ação.  Ferimos os outros, o que faz sermos feridos na mesma medida e com igual arbitrariedade.

Aprendemos  cedo a ferina arte da má-lingua. Contrarie uma criança com relação a algo que a profe lhe ensinou. Irá defender com veemência o que aceitou como correto, e irá considerá-lo tolo por não saber das coisas.

Funciona assim com o pequeno, no entanto, não é diferente com os não tão pequenos. Passamo-nos a idéia que  nossas considerações  são devidas e justificadas, não cabendo questionamento ou oposição.

Insistimos em permanecer em nossa ilha monótona, cansativa,  mas conveniente. A limitação parece trazer-nos segurança. Antes que nada, apegamo-nos ao pouco, defendendo-o como de valor.

Proponho um desafio para quem quiser verificar seu índice de dificuldade e pesar no trato das coisas e pessoas no seu dia a dia. Ao acordar pela manhã tente monitorar , ao longo do dia, a freqüência com que se sente tentado pela critica, tanto a expressa, quanto a retida na cabeça, receoso para veiculá-la, dependente da política da boa vizinhança ( ao não criticar em voz alta parece que não criticamos, no entanto, não escapamos do malefício, ao menos com relação à nossa energia ).

A pessoa se surpreende ao dar-se conta da freqüência absurda com que passa o dia vociferando na cabeça, a todo momento, contra tudo e todos, pelas coisas não se acomodarem às suas planilhas e estratégias.

Perceberá por aí em quantas crenças e programas mentais encontra-se aprisionado, impossibilitando-o de viver em harmonia consigo, com os outros e com o mundo.

É dessa compreensão que nasce a certeza que o que temos de melhor  sempre aparece quando estamos em dificuldade, nenhuma solução à vista, sem ter por onde escapulir.
 Conhecemo-nos na adversidade, exatamente naquilo que não queremos confrontar. E, criticando, passamo-nos a idéia de que podemos passar ao largo.

 O halter traz sempre consigo maravilhosas possibilidades

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O LEITE DERRAMOU. E AGORA ?


As coisas são como são, não como uma benção ou uma praga, nem justas ou arbitrarias, somente isso : são o que são. Nada alem.

É bem verdade que nem sempre correspondem aos nossos planos, propósitos, ou ideais. Nem sempre concordam com o que gostariamos que fossem. No entanto, nem por isso deixam de ser exatamente isso que são.

O leite derramou, a net caiu, o transito entravou, o dinheiro sumiu, e quanto solavanco. São fatos, nada alem de fatos que tão somente evidenciam a realidade das coisas.

Os eventos em si são desprovidos de qualquer forma de sentimento. Não apresentam carga emocional alguma. O juizo de valor que lhes emprestamos, corresponde unicamente à nossa avaliação racional, pois não são o que o intelecto sinaliza.

Nos impacientamos, achando que está tudo errado, produzindo-se dessa forma temor e agitação de espírito. Se encarássemos os fatos de cabeça fria, isto é, sem os efeitos da emoção, não haveria sofrimento, tampouco perda de energia. Cabeça quente é isso, envolvimento emocional.

Porque a solução dos contratempos tem de passar pelo crivo do sofrimento ? Problemas são para serem resolvidos,
não para serem sofridos.

O questionamento pertinente é simples : há algo que possa ser feito ? Se houver, faça, mas sem reclamação.

Acho linda a imagem que diz para fazermos as coisas como se ninguem tivesse passado por aí. Fazer sem alarde, afetação ou formalismos.

O desequilíbrio emocional em nada poderá contribuir para a solução das coisas. E se for irreversível, nada havendo que possa ser feito, vem o momento da entrega, da resignação. “Faça-se a Tua vontade”. A luta contra o imponderavel é a prerrogativa da prepotência.

O leite derramou ? Derramou. Cadê o pano ? Sem emitir qualquer forma de descontentamento, sem discursos, tanto para fora como dentro da cabeça, faça-se o que tem de ser feito, como se nada tivesse acontecido.

Como pequenos gestos são tantas vezes tão dificeis de serem tomados ! Buscamos reconhecimento em tudo, de todos. Efeito danoso de uma natureza mimada e cheia de caprichos.

Se estivermos na disposição correta, modificamos a realidade dos fatos, ( os possíveis de serem alterados ), através do poder pessoal.

Disposição correta = cabeça fria. Zangar-se, de todas as opções possíveis na solução de qualquer evento, é, sem duvida, a primeira a ser descartada, não tanto pela total inoperância, mas por impedir a atitude correta e, mais, pelo desgaste energético que impõe.

Tudo é, sempre, uma questão de energia. Quanto mais energia se armazena, maior o poder pessoal. E, quando se encara qualquer situação dentro da disposição adequada, isto é, sem cabeça quente, sem afetação, não haverá perda de energia.

A pessoa não se leva tão a serio e não melindra-se como uma velha ranzinza, simplesmente fazendo o que tem para ser feito. Não ressente-se com o leite derramado. Aconteceu e acabou. Não faz daquilo um espetáculo deprimente de lamentações e censuras. Afinal, achar um culpado, não irá, de forma alguma, modificar o acontecido. Então a caça às bruxas servirá a que finalidades ?

A estupidez suprema é considerarmos que os protestos, xingamentos e ranzinzice com as situações adversas do dia a dia, irão resolver as coisas melhor do que se estivessemos num estado de animo equilibrados. Perdemos energia e a possibilidade de acumularmos poder pessoal.

Já se deu conta de como sente-se o tal quando fica zangado, gritando aos quatro ventos o quanto está inconformado com o leito que derramou ? Temos a tendência infantiloide de nos sentirmos plenamente justificados quando de cabeça quente, culpando, criticando, como se tivessemos sido desconsiderados.

Afinal, alguém deve ser o culpado pelo estado deplorável no qual nos encontramos, passando, contudo, totalmente despercebido que o aborrecimento não é outra coisa que a expressão da incompetência por não fazermos o que tem de ser feito. Parece que fomos afrontados, injuriados, por isso o azedume,
esperando-se alguma forma de compensação.

Não assumimos a responsabilidade por nossa missão ao não encararmos as contrariedades do mundo do dia a dia como desafios, mas como chateações que não deveriam estar-nos acontecendo.

Sentimo-nos importantes demais para sermos tratados dessa forma, e, ao invés de reagirmos, largamo-nos lamurientos, injustiçados e plenamente justificados dentro da nossa magoa.

E lá vai-se nossa energia, nosso poder de transformação, de ampliação de consciência e um aprofundamento do nível de compreensão do que afinal estamos fazendo aqui. Caimos indefesos como sempre caimos frente aos contratempos
do dia a dia. Crianças mimadas fazendo beiçinho por sua
vontade ter sido contestada.

Sem nos colocarmos adequadamente frente às dificuldades do nosso dia a dia, encarando as coisas como desafios e não como pragas, será impossível a pessoa libertar-se de uma vida de sofrimentos e extremadas limitações.

Necessitamos de energia, e ela só pode ser produzida através de uma disposição correta frente às armadilhas que a vida nos propõe sem cessar.

Energia = poder pessoal. Sem poder pessoal, não passamos de folhas ao vento, sem autonomia nem capacidade de auto-determinação.

P. S.
O tema mexe com uma dificuldade importante na vida de todos. Se não for a maior, é, sem duvida, uma das causas mais vitais que nos levam ao sofrimento, apequenando a vida, tirando-lhe o colorido e o encanto que lhe são tão característicos.

Perceba-se da próxima vez quando estiver reclamando do leite derramado. Verá que é bem mais fácil pegar o pano e o balde, que ficar xingando e sentindo tanta peninha de si mesmo, pelo mundo estar te tratando tão mal.

 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

QUANDO AS ADVERSIDADES SÃO ENCARADAS COMO DESAFIOS


      
         Em materia de sagacidade de espirito e discernimento
de intelecto, poucos podem comparar-se à genialidade excentrica de Dom Juan Matus da obra portentosa de C. Castaneda.

Velho indio yaqui das montanhas e deserto arido do
Mexico,  ele nos guia, com seus ensinamentos extraordinarios, que extrapolam os limites do conhecimento do homem branco, levando-nos a uma jornada fantastica, onde a percepção usual da realidade é confrontada de como 
o  mundo realmente é, fazendo-nos ver para bem alem das ideias e conceitos convencionais.
Nos leva a conhecer um outro mundo dentro do mundo que
conhecemos. Uma outra realidade dentro do que
consideramos real.

   Seu sistema ideologico, alem da riqueza do seu ensinamento e do surpreendente das revelações, torna ao
mesmo tempo dificil sua aplicação no mundo do dia a dia, exigindo total comprometimento e profunda determinação. "Vontade de guerreiro", exorta-nos a todo momento. 

  Entretanto, não resta duvida, que vale o esforço ( ou o
prazer ), e olhar com carinho para seu modo como olha
a vida.
Tente meditar, e, mais que isso, tente aventurar-se, vivendo
na realidade do seu dia a dia, esse sabio ensinamento.

 Diz Dom Juan que um guerreiro pode ser ferido, mas não ofendido.
Soa estranho para nosso ouvido e até paradoxal, pois
 parece-nos totalmente justificado reagirmos aos ataques
do mundo, às injurias que nos transforma em vitimas
aparentemente indefesas.
Ele nos informa, porem, não haver nada de ofensivo nos
atos dos outros, enquanto estivermos agindo dentro do espirito apropriado.

  Isso nos leva a profundas reflexões, pois a fonte maxima
 de aborrecimentos e mortificações, na vida de todos, é a forma  como somos tratados por nossos semelhantes.
Quanto ressentimento, rompimentos dramaticos de relações,
perseguições, rancores, hostilidades irreconciliaveis, tanto
a nivel pessoal, grupos,  clãs, ou mesmo entre nações,
cuja origem remonta ao inter-relacionamento e trato entre
as pessoas.

 Afinal, não estamos todos em guerra contra todos, quantos
não nos tratam com cuidado e consideração ?
Somos cheios de caprichos e idiotices dando poder ao outro
quanto nossa disposição de espirito.
Tudo ofende e perturba. E quanta reclamação, com perda de energia, achando que todo mundo está abusando da gente. Responsabilizamos os outros pelo que sentimos, 
enchendo-nos de virtude reivindicando nossos direitos de sermos tratados conforme nossos propositos. Exigimos do
mundo nossa condição de bem estar interior.

Parece loucura mas é assim que funcionamos. E enquanto nosso comportamento for ditado pelo comportamento dos
outros, não há poder numa vida que tenha essa disposição,
estabilidade emocional e atitude adequada para dar conta
das surpresas de toda hora.

O humor oscila, assim como o discernimento e, de igual
forma, a disposição. Fragilizamos-nos. Ficamos feios e por
fim adoecemos.
Mesmo doentes, justificamo-nos, culpando os outros por
nossas mazelas, pela desconsideração, estupidez e rudeza
de como somos tratados ( mal tratados ).

Somos um bando de gente mimada, exigindo o
reconhecimento de todos, ou então que dispensem-nos
o tratamento em função da importancia que nos outorgamos.

Continuamos ao longo de uma vida inteira gritando por mamãe porque Joãozinho nos bateu.
Nos informaram, desde cedo, e damos pleno credito, desafortunadamente, que a magoa e a contrariedade são justificadas, não pela nossa incapacidade de ação, mas pela atitude sem jeito do outro.

Dessa forma, é o outro sempre o culpado, pois se tivesse me tratado bem, estaria bem.
 Caso observe com atenção redobrada, verá que o bigode que está aí é falso, não é natural, pois ainda é imberbe, não tendo
a pessoa atingido tampouco a maioridade emocional.

  A maturidade exige disposição de guerreiro, onde, ao inves do lamento, tudo transforma-se em desafio. A conquista da força segue a rota dos desafios diarios, que mobiliza a
disposição correta da resistencia implacavel.

Não é agradavel, evidentemente, o mau trato a que somos
todos submetidos inapelavelmente, largar-se, no entanto,
para isso, é outra coisa.
Surpreender-se com as atitudes das pessoas, atesta tão
somente, o desconhecimento absoluto acerca da natureza humana.

Se não tomarmos nosso mundo de todo dia como um desafio, não teremos condições de armazenar suficiente
poder pessoal que dá significado e um verdadeiro sentido à vida.

Dom Juan nos informa que "a diferença entre um homem
comum e um guerreiro, é que o guerreiro aceita tudo como
um desafio, enquanto o homem comum aceita tudo ou como uma benção ou uma praga".

Para poder suportar o caminho que nos leva à auto-determinação, não há do que reclamar nem lamentar, pois a
vida é um desafio sem fim, "e os desafios não podem ser
bons ou maus. Os desafios são simplesmente desafios".

O halter desafia forças ocultas para tornarem-se manifestas. 
O virtual concretizando-se em realidade. Queixar-se do seu peso, é desconhecer o processo.

Não temos poder sobre as atitudes dos outros, o que vem de fora, no entanto, podemos ter total controle sobre o que
sentimos com relação a isso. Desequilibrar-se internamente
é função exclusiva de cada um.
A dependencia gera fraqueza,  tornando-nos mesquinhos  e
inoperantes. Chorões apatetados esperando que mamãe
nos salve dos bicho-papões do mundo.

 Chateamo-nos com nossos semelhantes porque agem
maldosamente e em plena consciencia. Fazem para tirar
proveito, não importando-se com o prejuizo que causam.
É muito dificil, em tais casos, não sentir-se decepcionado
e infeliz. "Sei disso, sei disso, responde o mestre com
maestria. Conseguir disposição de guerreiro não é coisa facil. É uma revolução. É um ato magnifico do espirito do
guerreiro. É preciso muito poder para fazer isso".

Ele reconhece a dificuldade. É por isso que diferencia o
guerreiro de um homem comum.
Temos que estar em permanente estado de preparação. Quando a agressão ou a estupidez nos atingirem, um
estado de alerta, de atenção serena tem de guiar nossas
vidas. Caso contrario, seremos atingidos pelo sentimento
de traição, como golpeados injustamente.

Não pode haver surpresa com relação ao que vem do mundo.
Se encarado como desafio, irá transformar-se em halter do
espirito, acumulando poder e imunizando-nos cada vez mais
contra aborrecimentos e desenganos.

Tocamos a vida, fazendo o que tem de ser feito, sem perda de tempo com caprichos e lamentações.
Isso cria força e resistencia de animo, pois não esperamos nada de ninguem, nem tampouco exigimos nada do mundo.

É paradoxal, mas quanto menos se espera mais as coisas
fluem, passando-nos um sentimento de termos sorte.

Quem não espera, faz. Faz porque se sente bem fazendo. O
resto corre por conta de instancias misteriosas, fora do alcance da nossa compreensão. Afinal, não estamos sozinhos na empreitada da vida, mas o bom é agir
como se estivessemos sozinhos. Assim, nunca nos decepcionamos.

  Trouxe esse tema para reflexão, em função da sua
importancia e como causa relevante de toda sorte de sofrimento e consternação. Apesar de toda dificuldade
inerente à materia, vale muito a pena tornar-se consciente
da proxima vez que for desafiado por qualquer desafeto,
por qualquer contratempo, ficando de prontidão, em estado de alerta, e perceber-se internamente para verificar o
movimento que se produz, gerador do mau estar.

Saber do processo é o primeiro passo para transformá-lo
em roteiro de vida, e para transformar-se num verdadeiro
guerreiro.

   Experimente tentar. Terá surpresas.







    

 
              

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O MENININHO DA PRAIA


             O menininho estava à sombra do guarda-sol com
sua mãe, ambos, aparentemente, apreciando o mar, as pessoas que vão, outras que vem, as gaivotas esvoaçantes, a leveza do momento ou, quem sabe, não fizessem nem uma, nem outra coisa, apenas perdidos em seus pensamentos de sempre, no falatorio na cabeça que não permite a pessoa ver apesar de estar olhando.

   Chamou-me a atenção a postura recatada da criança. Sentado em sua cadeirinha de praia, ao lado da mãe, em
silencio, como um espectador disperto, indiferente ao cenario, alheio à agitação em sua volta,
enquanto outras crianças corriam de um lado para o
outro, pulando as ondas, atirando agua uma nas outras, em
efusiante gritaria, quais passarinhos recem libertos de suas gaiolas.

  O menino, de  shortinho bege, ate abaixo do joelho, 
 camisa colorida de manga curta e um boné que lhe fazia sombra no rosto, resguardando-o do sol, ou, quem sabe, dos perigos do mundo, parecia não importar-se com os acontecimentos à sua volta, estando aí em função da mãe, pois aquilo não animava-lhe em nada o espirito.

  A gurizada continuava a algazarra, divertindo-se igual
cãozinho livre das coleiras, amarras e limites impostos por
contingencias e regras de toda ordem. Estavam felizes sem importunarem-se com nada e ninguem mais.

  A alegria das crianças, assim como dos nossos serelepes cachorrinhos, correndo, pulando, com seu latido
 assemelhando-se à gargalhada solta, fala-nos de algo 
que evoca bem-aventurança, um sentimento de graça como se fosse sorte. O momento em si é perfeito porque o jubilo  
é total, assim como a satisfação.

 A alegria, quando genuina, não tem causa aparente, sendo
apenas o extravazar natural do espirito, em forma de fluxo de energia, que simplesmente se faz quando a mente serena.
 A vida então manifesta-se, revelando todo seu esplendor, magia e abundancia.
O ambiente se contamina, propagando bem estar e
 animação para o universo inteiro.
 
A descontração festiva da criançada, seduziu a indiferença
e a apatia do nosso menininho sentado sob o guarda-sol.
Sentiu-se estimulado para tambem envolver-se e ser feliz.

 Levantou de um salto, como obedecendo a um comando
subito, imprevisivel, indo em direção ao mar.
A mãe, perdida em seu dialogo interno incessante, fluxo e
refluxo de ideias, imagens que se sucedem como num filme
sem fim, apesar da sua pessoa estar envolvida pela confusão
mental, o lado maternal, por sua vez, estava vigilante.

  Quando viu o menino dirigindo-se para a agua, tambem
saltou como num movimento automatico, alcançando-o logo
à seguir, a meio caminho da espuma das ondas.
Nesse instante, segurando-o pelo braço, bombardeou o
guri com voz imperiosa, recomendações de toda ordem.
E, entre gritos e fala rapida, foi lhe passando o manual de instruções de mãe amorosa e precatada.

 - Filhinho, cuidado ! Coloca o chinelo, vê onde pisa, fica
só na beirinha... cuidado, não molha a roupa, segura o
boné... cuidado, filhinho... muito cuidado !...

 O piazito, à medida que mamãe ditava as normas dos
encargos da prudencia, foi murchando, contendo o entusiasmo, a vontade e a disposição
para tambem participar da alegria festiva proporcionada
pela gurizada feliz.
Quando, por fim, a mãe cessou sua litania de cuidados chocantes, baixou a cabeça, colocou as mãozinhas no bolso da sua bermuda bege, à meia canela, puxou o boné para frente, olhando para o chão, e, com voz debil, quase inaudivel, balbuciou, entre lagrimas : mamãe não quero
 mais entrar no mar.

Voltou a sentar-se na sua cadeirinha de praia, sob o
guarda-sol, ao lado da mamãe espaçosa, em total segurança
e proteção ( proteção que mutila o espirito, deforma a
vontade e os impulsos de vida ).

Há momentos cruciais na vida em que os caminhos se bifurcam, retornando-se jamais ao rumo original. Rotas
confusas em mapas estranhos, na ausencia de bussulas.
Talvez o que permaneça seja apenas o sofrimento e a
resignação como roteiros exclusivos ou marcos de
sinalização.

As pessoas continuavam a passar, indo e vindo, descontraidas à beira mar. As gaivotam planando como se
fossem sem peso, ao sabor do vento, como pandorgas. 
Ao longe uma embarcação, talvez um navio
 pesqueiro, deslocando-se lentamemte. Uma pipa,
cortando o ar, tentando subir. O ruido do mar. O pescador
sentado, esperando o movimento da linha. A aragem tepida.
O sol entre nuvens. A praia.

  Nunca se sabe em que espaços obscuros e confusos são traçados os roteiros que servirão de caminho quando escolhas tem de serem sustentadas, num outro tempo, adulto
já feito. As escolhas já não teriam sido, por ventura, feitas,
 à revelia da disposição pessoal ? Haverá, então, ainda  espaço disponivel para a autonomia e liberdade para novas
opções ?

  Somos como massa de modelar. Uma vez a modelagem
feita, somente com muita coragem e determinação heroica
para que aquilo seja desfeito.

  O que ouve-se reiteradamente em criança, seja
 construtivo ou não, irá confirmar-se, feliz ou
infelizmente, a seu devido tempo.