quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CENAS DE PRAIA

                    Caminhada matutina, à beira mar.
O ar ainda está fresquinho. O sol lentamente dando as caras.
Respirando fundo, alongamentos e dando bom dia a mais um dia. Tudo perfeito nessa manhã maravilhosa. As ondas batendo na areia, indo e vindo, avançando e recuando. Assim como a vida.  Inspiração, exalação, contração, dilatação. A lei é sempre a mesma, a  vida se simplificando.
                                                       As gaivotas catando os peixinhos, na sua refeição matinal. As garças brancas com suas pernas longas e finas. Os pescadores atentos ao movimento da linha. As pessoas passando, algumas indo, outras vindo.
Depois os guarda-sois para simplesmente descansar, e quem sabe, descontrair.
Os velhinhos jogando bocha ( sempre sobra alguma coisa para se divertir ), outros, frescobol, crianças correndo felizes, cavando tuneis, ou construindo castelos.
Pipas multicolores esvoaçando ao vento, jovens ouvindo musica, outros nem tanto, tomando mate.
Alguns solitarios, simplesmente apreciando a paisagem, outros em grupo, alegres, felzes pelo encontro.
Pessoas de mais idade, geralmente mulheres, de chapeus grandes e exalando perfumes fortes, fazendo tambem sua caminhada matinal.
A brisa está agradavel. O som do mar, magestoso, mas não barulhento. Som relaxante.

    Enquanto caminho, me ligando às cenas que vão passando à medida  que avanço, de
repente me deparo com um cachorro, de pelugem amarela, bem nutrido, de porte elegante e coleira no pescoço. Olhei mais atentamente e não havia mais ninguem. Ele estava só, igual aos cachorros de praia sem dono. Mas ele não tinha aspecto que fosse um cão de praia, um cão sem dono.
        Seu porte era elegante, mas notei seu rabo caido, seu passo inseguro como quem não sabe para onde ir. Assim como andam os que estão perdidos ou os que já desanimaram, os desesperançados.
      Parecia temeroso. Seu olhar era vago, um ar de tristeza, igual ao aspecto de quem não está compreendendo o que está se passando.

     Olhei para ele e ele olhou para mim. Havia desconfinça na sua postura, mas havia tambem uma energia como quem pede socorro, necessitando de ajuda.
   Parou a uma distancia segura, assim como fazem os desconhecidos que se encontram, com olhar de submissão, ou seria simplesmente de pavor ?
    Cachorro não fala, mas nesse momento, seu olhar e sua postura eram ,sem duvida, muito mais eloquentes, diretos e claros que o mais eloquente dos discursos.

   É incrivel como  há momentos na vida  em que a palavra se torna vazia, barulhenta e sem significado ( aliás, os que falam muito geralmente tem pouco para dizer ).
   A intensidade do olhar, sua energia, sua expressão, isso sim transmitia, de um modo inequivoco, a realidade desse momento, a dor e o sofrimento pelo que estava passando.

            Perguntas não eram necessarias para se compreender a situação. Claro, havia sido abandonado, entregue à sua sorte, pelo seu dono, que, por um motivo ou outro, não conseguiu mais tê-lo como seu bichinho de estimação. Já foi de estimação, já foi amado,bem cuidado, mas agora estava a Deus dará.
   Ele não emetiu nenhum som, nenhuma palavra, nenhum lamento, nenhuma queixa. Entretanto doeu muito dentro de mim a sua dor.  E o seu grito silencioso, feito de medo e de incompreensão, ressoou fundo, em forma de eco sem fim no mais profundo da minha alma.
   Não o grito das palavras que justificam ou explicam ( que geralmente não justificam nem explicam coisa alguma ),  mas o silencio eloquente da dor que corta, dilacera e destroi. A dor quando não há para onde ir, quando não há o que fazer, apenas ficar aí, aquentar, resistir. Para essa dor não há analgesia, não há dipirona que dê alivio.

         Eu compreendi a dor do meu amigo, porque ela vibrou dolorosamente dentro de mim.
             Ficamos nos olhando nesse breve instante, instante que não é feito de tempo, porque a dor é essa coisa bruta, truculenta que escapa ao tempo.
      Depois eu segui meu caminho e ele seguiu o seu. Eu sabia para onde ir, mas onde ele iria já que não tinha para onde ir ?

         Apenas uma cena de praia, como tantas cenas de todos os dias, de todos os lugares. A praia é feita dessas coisas, assim como a vida. Encontros, desencontros, lagrimas, sorrisos, alegria e tristeza.
    A onda vem, logo à seguir ela irá. Nada é permanente. Depois de um grande sim, o grande não. Depois do abraço, a separação. Depois da certeza, tantas perguntas, questionamentos sem resposta, sem solução.

       A vida não é vivida pelos porques, mas pelos como.
Talvez agora, enquando escrevo, meu amigo tenha encontrado outro amigo, outro lar, novamente o amor.
                                Talvez não.

         Cenas da praia. Cenas da vida.
 

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