sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A MORTE DA CHIQUINHA


Era sua ave predileta.
Tinha-lhe, ele, entre todas, um carinho especial,
pela camaradagem criada entre ambos.

Ao dar-lhes comida a cada manhã,
vinha ela correndo de onde estivesse,
fazendo-lhe agrado,
cocoricando a seu lado,
querendo colinho.

Era sempre, para ambos,
um momento especial.
Iniciar cada novo dia, envolvido em afetos,
era sempre certeza de um dia perfeito.

A chiquinha, apesar de uma simples ave,
tinha pelo seu dono,
 - assim como ele para com ela -
um relacionamento feito de extrema ternura.

Mas, naquela manhã 
ela não veio correndo,
como era costume,
em cada encontro matinal.

Ficou apreensivo,
temendo pelo pior.
Foi então à procura,
encontrando-a despedaçada,
tendo-se transformado em alimento
para uma raposa faminta.

Juntou o que havia sobrado,
trouxe-a para junto de si,
apertou-a contra o peito,
não contendo o choro silencioso.

Ficou ali ajoelhado,
curvado até o solo,
despedindo-se da amiguinha,
que, de forma tão inesperada, virou saudade.

Naquela mesma noite, pensando apenas em vingança, 
tratou de armar a armadilha.
E, na manhã seguinte ...
lá estava ela, a raposa infeliz,
que chacinara sua avezinha camarada.

Imaginou como daria cabo dela.
Sentiu-se vingado,
e sua morte teria de ser cruel.

Olhou para ela. Estava assustada.
Foi então que percebeu,
que na arapuca, alem da malvada,
havia tambem um punhado de filhotes.

Compreendeu então, 
que o que fizera na noite passada,
tinha sido apenas a busca por alimento, 
nada alem disso,
nada alem do instinto de sobrevivencia.

E aquela ave adoravel
havia cumprido os designios
dos preceitos da natureza.

Levou então a armadilha,
com a raposa e seus filhotes
para uma mata distante, em segurança.

Enquanto desaparecia por entre os arbustos,
desejou-lhe boa sorte,
livre das armadilhas da vida.

Estava emocionado.
A avezinha não estava mais aí.
A raposa, ao menos essa, estava feliz
juntamente com seus filhotinhos.

É assim que a vida é.
Nada a lamentar.
Da chiquinha ficou a saudade,
e a vida segue em frente,
assim como a vida tem de ser.

   







domingo, 5 de outubro de 2014

AS PALAVRAS


Há palavras que encantam, que norteiam,
outras, perturbam, desorientam.

Há as palavras que engrandecem,
assim como aquelas que destroem.

A palavra pode trazer a paz,
a outra, pode fazer a guerra.

Podem elas fascinar, seduzir, cativar,
ao mesmo tempo rejeitar, intimidar, desencantar.

De certa forma, tudo passa pela palavra.
E é por isso que é exaltada
pelo seu fascinante poder.

Cria malquerenças,
mas desperta tambem paixões memoraveis.

Seu genio é rigorosamente paradoxal :
o poder com que destroi,
está alem da baioneta ou dos canhões.
Porem a virtude do perdão tambem lhe é peculiar,
quanto levar conforto onde há sofrimento.

É por isso que o silencio é ouro,
ainda mais na ausencia da palavra pertinente.
Palavra mal dita,
é sempre uma palavra maldita.

sábado, 4 de outubro de 2014

O VELHO ALBUM


Tive sempre cá comigo,
que o passado é uma forma de sombra,
uma sombra que se estende sobre o presente,
qual nuvem no firmamento,
escondendo a luminosidade do dia.

A sombra pode até trazer frieza,
a indiferença, a apatia, o desanimo,
um certo ar de tristeza
pelo calor do entusiasmo que se desfez.

Pode a sombra, todavia, ser refrescante,
um jeitinho de conforto,
ante a intensidade do mormaço.

De qualquer forma, é sempre agradavel
serem festivas as lembranças a rememorar. 

O tempo passou,
e com ele tanta coisa ficou para tras.
Vivemos historias ...
quantas historias de amor !
Conquistas emocionadas, festivas, solenes,
na primeira curva do tempo, porem,
transformaram-se em folhas mortas
carregadas pelo vento frio do outono.

Mesmo assim as imagens ficaram retidas
num velho album amarelado,
guardado no fundo de uma gaveta.

As lembranças persistem,
flutuam no ar,
 - meros devaneios -
como sombras fantasiadas de realidade.

Resulta em saudades remexer o velho album,
qual caixinha nostalgica,
cantinho de melancolia,
imagens perdidas de um tempo que vai longe. 

Assim, é bom que o velho album não se perca,
conserva o passado,
que nem sempre fazemos questão seja perdido.







domingo, 21 de setembro de 2014

PODE SER QUE NÃO SEJA FACIL


Pode ser que não seja facil,
mas pode ser que valha a pena.

Em certos momentos, a duvida,
em outros, a inquietação,
desanimo frente aos impasses,
indecisão diante das derrotas.

Pode ser que não seja facil,
embora ninguem tenha prometido o contrario.

Não há garantias de facilidade,
salvaguardas de segurança,
ou privilegios quanto ao rumo correto.

Pode ser que não seja facil,
mas porque voltarmos as costas,
assim que as dificuldades advem ?

É dura a vida de suportar,
mas em nada facilitará
nos fazermos de delicado.

Quem se ampara em guarda-costas,
pode ser que não seja golpeado,
nem por isso, porem, tornar-se-á mais forte.

O braço na tipoia
perderá sua função.
A musculatura definha,
fragilizando o sistema.

As quedas fazem parte,
é assim que o homem caminha.




sábado, 20 de setembro de 2014

A SINFONIA DOS SABIÁS


A sinfonia dos sabiás
anunciando a chegada triunfante
da deslumbrante primavera.

A natureza veste-se de festividade,
inundando a atmosfera com inebriantes fragrancias,
enfeitando-se com cores, luzes, magia e sonhos.

As manhãs de primavera despertam
com a cantoria faceira do festivo sabiá.

São eles os mensageiros a anunciarem
um novo dia, um novo tempo,
a inspiração para o encantamento e a celebração.

Assim como a natureza transforma-se 
num imenso jardim colorido,
não seria esse tambem o tempo,
de refazer internamente canteiros,
transplantar mudinhas
e aparar excessos ?

A sinfonia dos sabias sauda a primavera,
sauda a vida que desperta por todos os cantos,
a solenidade da permanente transformação.

A festa está completa.
A mesa está posta.
O convite está feito.


sábado, 16 de agosto de 2014

A ATRAVESSIA NÃO SE FAZ EM AGUAS RASAS


Não há segurança alguma,
não há garantias, nem certezas.
Pode acontecer ou não,
sendo o imprevisivel a unica certeza.
Mesmo assim, a marcha continua.

O crescimento é sempre um jogo de risco,
é por isso uma empreitada,
apenas para os suficientemente valentes.

É no fluxo da correnteza,
que as possibilidades tornam-se viaveis.
Não se faz a atravessia
em aguas pouco profundas.

Sem abrir mão do que conhece,
de que outra forma terá acesso
ao que não conhece ?

A aventura da vida reside na incerteza,
na possibilidade de até nada acontecer.
É por isso que há emoção na aposta,
no risco, na falta de garantias.

E quem seguir por caminhos incertos,
não sentir-se-á estagnado,
envolto no tedio, no desanimo,
quando a vida perdeu toda graça.

Na ausencia do fluxo,
 não há mais entusiasmo,
o fascinio e o contentamento tambem já sumiram.

O que foi que aconteceu ?
O impedimento, a estagnação,
consegue reconhecer 
porque o fluxo se desfez ?

Não soltar-se parece sempre mais seguro,
confortavel, confiavel,
sem nos darmos conta, contudo,
que é nesse estado de segurança
que caimos no fosso da estagnação.

O desconhecido, o estranho, o não caseiro
amedrontam, estacando o passo.
É então que o rio transforma-se em lago,
o fluxo se perde,
fecha-se em si mesmo,
e o oceano tornar-se-á então inacessivel. 






sábado, 2 de agosto de 2014

É NO SUFOCO QUE A SEMENTE GERMINA


A imperfeição que se percebe no outro,
pode ser que seja exatamente isso
seu ponto de mutação,
redefinição de rota,
de estrategia, 
- o cadinho para o aprimoramento.

As transformações não acontecem assim ...num estalar de dedos,
mas são a consequencia de um longo processo de amadurecimento,
sempre lento, monotono, paciente e obstinado.

É a perseverança que manifesta o milagre.
A semente lançada em terra,
passará por um longo processo de transformação,
para a vida nela contida, possa enfim ser revelada.

A vida não tem de ser criada.
Ela já está aí, apenas aprisionada na casca dura.
É por isso que a terra a empurra para baixo,
como quem sufoca, oprime, asfixia,
impedindo que se transforme em broto.
Mas será exatamente essa dificuldade
que fará a semente germinar.

Sem os obstaculos, as provações, as duvidas,
e quaisquer outras formas de sofrimento que a vida impõe,
são esses os desafios que despertam energia,
criando um ambiente propicio,
estimulos adequados, 
para manifestar a latencia do ser.

Dificilmente estará o sofrimento ausente
no penoso processo do despertar.

São exatamente as condições externas desfavoraveis,
os ingredientes necessarios,
o contexto essencial,
para a dura casca do espirito ser rompida.

É por isso que o crescimento provoca dor.
Crescimento é expansão,
e o que se expande, para poder expandir,
precisa abrir caminho, superar obstaculos, criar espaço.

São as adversidades da vida,
a expressão fisica das limitações internas.

A plenitude não tem de ser criada,
nem a paz ... a paz tão almejada,
tampouco a integridade tão buscada.

Somos perfeitos. Nada falta.
A vida palpita no interior da semente.
O brotinho deseja germinar.

São os impasses do dia a dia,
 - as provações de toda ordem -
a pressão que a terra exerce sobre a semente, 
as condições proprias para a vida se evidenciar.

O pesar, a amargura, os dissabores,
 - estimulos potentes que explodem a casca -
e a maravilha aprisionada irrompe,
o milagre por fim se realiza.

Tudo que complica,
traz sempre consigo alguma oportunidade.










domingo, 20 de julho de 2014

A MAGIA DAS NOSSAS ESCOLHAS


A vida que se leva,
segue o roteiro das nossas escolhas.

A realidade não é aleatoria,
nem é definida por poderes sobre-humanos,
ou um projeto pré-fixado,
que simplesmente se siga
como quem interpreta um personagem.

Ação e reação,
causa e efeito,
escolhas e consequencias.

A reação, o efeito, ou as consequencias,
são sempre determinadas 
sob a ação do livre-arbitrio.

Podemos sempre escolher 
entre um numero infinito de possibilidades,
mas será determinada escolha
que criará o proximo cenario,
onde o novo enredo será representado. 

A vida não é definida à priori,
pois o roteiro define-se momento a momento,
seguindo em ziguezague,
sob o decreto das novas decisões.

Não duvide nunca das suas escolhas.
A vida atual, significativa ou infeliz,
não é consequencia de carma passado,
mandinga de algum feiticeiro, 
muito menos, danação divina.  

Ninguem nos leva para o inferno
a não ser nossas proprias escolhas.
Os culpados não são os outros.
Colhemos não mais, nem menos 
que a consequencia das nossas opções.

Vivemos dentro dos limites estreitos
das nossas escolhas 
e suas consequencias.

O culpado é uma figura retorica,
saida dos anais da incompetencia
da compreensão das leis da vida.

A escolha, alem de uma aposta,
é sempre uma certeza.
Invariavelmente se materializa,
quer a gente saiba ou não, 
de qual decisão
tal enredo foi elaborado.

O universo sempre nos apoia
seja qual for a aposta por nos escolhida. 




sábado, 12 de julho de 2014

A CHUVA MIUDA NUMA TARDE DE INVERNO


A chuva era miuda, ralinha,
parecia nevoa, uma bruma densa
- chuvinha tipica 
dos dias frios de inverno.

Caia silenciosa, suave,
sem querer perturbar,
assim como quem cantarola, baixinho,
uma meiga canção de ninar.

São as chuvas de inverno,
 com seu encanto triste,
despertando saudades,
melancolia, que evoca estranhos sentimentos.

O telhado de zinco a absorvia com cuidado,
diferente das chuvas sonoras, barulhentas,
dos dias menos sombrios.

Vista atraves da vidraça da janela embaçada,
o cenario externo refletia a umidade e o frio 
da tarde acinzentada.

O vento agita as longas palmas da palmeira esguia,
contorcendo-se de lado a lado,
emitindo um som tristonho,
monotono, repetitivo, lastimoso.

A vista não alcança longe,
perdida por entre o nevoeiro denso,
deixando o mundo pequeno,
a distancia encolhida pela visão diminuida.

Os passarinhos silenciam,
apreciando tambem, quem sabe, a melancolia poetica
da tarde fria, de chuva miuda, silenciosa e comovente.

As nuvens baixas, pesadas, densas,
diminuem a luminosidade,
deixando a atmosfera pesada, seria, contraida,
estimulando ideias, despertando emoções.

Imaginei-me perdido no mundo, 
embrenhado na imensidão gelada,
sem refugio, sem consolo,
desprotegido do ambiente aquecido
do fascinante fogão à lenha.

Relaxei, 
e um sentimento de bem estar,
uma vibração de contentamento correu dentro de mim.
Estava abrigado, no aconchego do lar,
resguardado da atmosfera gelada,
olhando pela vidraça embaçada,
a chuva miuda, ralinha,
caindo silenciosa,
nessa tarde gelada de inverno.

Momento de paz,
de serenidade,
e gratidão. 







sábado, 5 de julho de 2014

UM CHEIRINHO DE PRIMAVERA NO AR


A brisa dessa manhã, 
não percebeu que tinha um cheirinho de primavera ?

Cheirinho de casa limpa, janelas abertas, 
iluminada pelo sol morno da manhã gloriosa.

Parecia manhã de setembro,
anunciando a primavera.
Há sempre um feitiço no ar 
nos dias radiantes de setembro.

Talvez tenha essa noção,
por ter sido um dia festivo de primavera
que me trouxe em seus braços
para essas bandas do mundo.

Havia flores nos jardins,
os passarinhos faziam festa,
e a atmosfera, uma louvação à vida.

Tambem nasci sob o resguardo
de tres magos soberanos.
É por isso que os passarinhos,
as flores e tudo que evoca primavera
ecoa na alma quase como saudade.

O sol dessa manhã, não tinha a timidez
das manhãs de sol invernais.
O ceu limpo de nuvens,
 tornava o azul fascinante,
assim como o fascinio do azul,
dos olhos da moça vistosa.
Carrega ela no redondinho dos olhos 
um pedaçinho do feitiço do ceu.

Apesar do extase da manhã luminosa,
um cheirinho de chuva pairava no ar,
confirmando a antinomia da vida.

Nada se afirma como permanente;
não há lagrima que não se transforme em riso,
nem vitoria que não traga consigo 
a sementinha do desencanto.

Nem o apego, nem a repulsa.
A paz nascida da compreensão,
não aflige nos contratempos,
pois tudo está sempre no seu devido lugar.

sábado, 7 de junho de 2014

TEMPO - O SENHOR DO CAOS


  Não vamos, certamente, encontrar lá longe,
o que não conseguimos ver agora, aqui pertinho.

A distancia funciona como um canto de sereia,
a embalar frustrações de um tempo perdido,
de sonhos sempre postergados,
deixados para depois, como numa tela de repouso.

Esse depois tambem virou miragem,
transformado em cinzas,
que o vento levou para longe,
assim como carrega as folhas de outono,
que o rigor do tempo transformou em poeira.

Implacavel é o tempo. O ilustre senhor do caos.

Todo passo um dia cansa,
toda pele um dia enruga,
como a beleza não será para sempre.

Chega um tempo, em que já não faz diferença,
os sonhos terem ou não se realizado.

Há a frustração de quem nada alcançou,
e a decepção tambem de quem não conseguiu 
o que as conquistas proclamavam.

Frustração... decepção...
O que resta ao final é um tempo pesado,
lacrando vitorias e derrotas, 
fracassos, realizações,
assim como sonhos e desilusões,
 - tudo encerrado na mesma vala.

Niilismo ? Visão derrotista da vida ? 
Não e não !
Tudo tem o seu tempo,
e com o passar do tempo
é ao caos que tudo retorna.

A roseira não se frusta 
quando as rosas tiverem secado.
Nem fará novena para que voltem a florir novamente.

Ela reconhece o movimento da roda do tempo;
e quem tiver tambem alcançado tal compreensão,
não irá frustrar-se, tampouco decepcionar-se
ante o movimento implacavel do tempo.

É por nos apegarmos a um dos polos da polaridade,
que nos abatemos quando o pendulo atinge a outra margem.


MALFEITORES - VOCE CONHECE ALGUM ?


 O que for feito entre lamurias e resmungos
- audiveis ou não - será sempre mal feito.

Sem boa vontade...
 ( paz aos homens de boa vontade, diz o profeta ),
sem essa boa vontade e comprometimento,
tudo se transforma em dever, obrigação,
simples pauta de agenda a ser executada.

O verdadeiro malfeitor é aquele que faz o mal,
ao fazer mal feito o que faz. Estou equivocado ?

Negativa, não apenas seu proprio campo de energia,
como de toda circunvizinhança.

Ao jogar uma pedrinha num lago,
perturba, não apenas o ponto de lançamento,
pois as ondulações chegam até à margem oposta.

Fiquei refletindo para compreender
o verdadeiro significado do termo "malfeitor".
Não aquele definido pelo dicionario, pois parece obvio,
- não oferecendo qualquer dificuldade de entendimento -
mas o malfeitor mais sutil, sem parecer-se com aquele.
Em que nivel essa qualificação
atinge-nos a todos, sem qualquer discriminação ? 

Na ausencia da capacidade de animar-se,
- sejá lá o que se estiver fazendo -
não estaremos tambem nós, nos tranformando em malfeitores ?

Ao reclamar dos malvados do mundo,
qual o grau da minha maldade ?

Se não sou assim tão inocente,
porque bato o martelo para a malfeitoria alheia ?

O Hebreu tinha lá seus argumentos
ao desafiar a multidão a jogar o primeiro tijolo.

Moleque esperto !...

PS.  Aliás, voce teve noticia de alguem ter atirado o tal tijolo ? ! ...














quarta-feira, 4 de junho de 2014

DIALOGO ENTRE PATRÃO E FUNCIONARIA


- Lá onde eu moro, doutor, acontece muita coisa estranha
que o senhor nem queira saber.

Não é como aqui, onde as coisas são certinhas. 
A pessoa morre, é colocada num caixão e vai para o cemiterio.

De onde eu venho, doutor, não é assim que acontece. 
A pessoa quando morre, é enrolada num pano branco
e enterrada aos pés de uma grande arvore,
e todos dançamos felizes à sombra daquela arvore gigante.

E quando a arvore der frutos
nosso ente querido estará um pouquinho em cada um deles.
Estará lá, escondido dentro de cada frutinha.

Como vê, doutor, lá as coisas não são como são aqui.
E nós somos felizes pelas coisas serem assim.

Ele, confuso com a narrativa dela, questiona :
- Mas onde fica esse lugar tão estranho ? É aqui no Brasil ?
- Eu acho que é pelas bandas do Brasil, mas eu não sei
lhe explicar não onde fica.
- E como se chega lá ?
- Iche, doutor, é longe demais para poder lhe explicar.
É muito longe !

O patrão coça então a cabeça, sem ter a certeza de  
realmente ter ouvido aquilo.
Mas não podia ser sonho, nem estar delirando.

Suspirou fundo, tentando recobrar as ideias.
Até passou a mão pela testa, sutilmente, para certificar-se 
de não estar em estado febril.

Cismado, afastou-se,  murmurando baixinho para si mesmo...
arvore gigante ... arvore gigante !

Olhou ainda para tras para certificar-se da moça
não ser um fantasma.

domingo, 1 de junho de 2014

O CAOS DO MODELO MEDICO VIGENTE


Porque nossa criança está cada vez mais doente, lotando
hospitais, PS e consultorios ?
Porque as farmacias se procriam com mais presteza que a
rapidez com que se procriam as ratazanas ?

Já sai o nenê da maternidade medicado devidamente (divina),
preventivamente vacinado, orientado - mesmo assim ...
Continua depois o ritual de mais medicamentos, mais vacinas,
mais cuidados - mesmo assim ...

Olhando o cenario até com imparcialidade (é dificil),
questionamentos bailam na mente em busca de respostas, 
justificativas, alguma coisa, enfim, que decifre o quebra-cabeça
de cada vez mais doenças, apesar dos decantados avanços, 
de uma medicina com habilidades tecnico-cientificas cada vez mais aprimoradas, e, aparentemente, perfeita.

À medida que a medicina se aperfeiçoa, paradoxalmente, adoecemos cada vez mais.
Somos todos cada vez mais medicados, e todos cada vez
mais doentes. 
A perfeição por um lado, e a frustração do lado oposto.

Não faz tanto tempo que a criança nascia em casa atraves das
mãos de uma parteira talentosa. E a gurizada vinha forte
e saudavel. Desenvolvia-se perfeitamente apenas com leite
materno, algum chazinho e os cuidados maternos. Não havia
medicamentos, vacinas ou intervenções cientificas; e o medico
 parecia uma figura mitica devido sua raridade,  farmacias ...
que farmacias ?

Nem por isso, deixaram de sobreviver. Alias, ao contrario, pois
a piazada crescia forte, valente e saudavel, a despeito dos
cuidados cientificos da medicina quimica. Poucos necessitavam
da intervenção tecnologica para manterem-se saudaveis.

Foi exatamente com o advento da quimica que a raça
começou a degenerencia. A sabedoria popular teve que ceder
às evidencias cientificas da alta tecnologia da medicina
quimica.

O caos então se instalou, e nunca mais usufruimos as benesses
de nos mantermos saudaveis como os pardais ou as bergamoteiras.
A doença tornou-se endemica, tão natural hoje, como
 já foi manter-se saudavel em dias idos sem a intervenção de
elementos estranhos, da intervenção da quimica ou vacinações.

O caos se instalou, e com ele o sofrimento sem fim da perda
irremediavel da saude, da capacidade de manter-se bem sem a
necessidade da parafernalha da industria farmaceutica e
alimenticia.

O sofrimento se institucionalizou, avalizado por uma politica
equivocada, vizando, não a saude, mas a ganancia
dos grandes conglomerados da farmaceutica, que, para
obterem seus dividendos, somente às custas de cada vez
mais doença.

A nossa saude representa o fracasso deles. E seus acionistas não 
terão retorno dos seus investimentos. Lucro, portanto, para eles,
se faz às nossas custas, às custas de adoecermos.

É essa a razão por não haver prioridade na verdadeira prevenção
da saude : nunca atraves da quimica, sempre atraves de um
 estilo de vida saudavel.

É melancolico ver a profissão que carrega na lapela o
compromisso de promover SAUDE, esteja empenhada com a doença, totalmente dissociada do seu verdadeiro juramento.

Anarquia ... haverá expressão mais apropriada para definir o atual 
momento pelo qual passa o sistema medico vigente ?   A pessoa entulhando-se à exaustão com farmacos cada vez mais potentes
 (e caros), mesmo assim, não transformando o esforço e o 
consumo em saude, bem estar e equilibrio.  

 A confusão é geral, gerando medo, insatisfação, e, pelo  fato
do fim do tunel estar ainda distante, a pessoa se resigna,  
conforma e, por fim, se aliena. Persiste nos seus 
comprimidinhos coloridos, rezando por um milagre.

Incredulo, voce se questiona se este modelo medico foi criado
com o proposito de realmente promover saude. Voce está 
confuso, bem sei,  tambem estou.
 Venho de um tempo (e não faz assim tanto tempo) em que se
vivia melhor, e, sem duvida, mais saudavel.
O que se fazia naqueles dias funcionava, porque de repente
perdeu a eficacia, a serventia, seu valor ? 

Sinal dos tempos... tempos sombrios e inquietantes !




    

   







sábado, 24 de maio de 2014

A CRIANÇA CAI MAS APRENDERÁ A ANDAR


A criança cai (muitas vezes) enquanto aprende a andar. 
Faz parte do aprendizado. Não há aí equivoco algum.
Mas, se colocar escoras de todos os lados,
talvez não caia, mas suas pernas ficarão deformadas.

A queda faz parte, adoecer faz parte - processos naturais
 atraves dos quais a criança se fortalece, adaptando-se a este mundo para dar conta da vida.

Tratamentos preventivos mediante quimica de longa
duração, vacinações em massa, prescrições, absurdamente,
sem controle ou moderação - uma medicina que visa apenas o
sintoma, o efeito, sem buscar a causa relevante ... um sistema
medico com essa apreciação, nos deixará, acaso, mais saudaveis,
vivendo uma vida melhor, com mais satisfação e plenitude ?

Se considerar que sim, eu me penitencio no meu equivoco,
tendo, por fim, chegado a hora de pendurar o jalequinho já 
envelhecido, e brincar de palavra cruzada, ou simplesmente
coçar o saco, que é, afinal, tambem algo de se fazer, ainda
mais, quando já não se tem o que fazer.

Nem sempre o engano, no entanto, se apresenta como enganador.
 Uma boa maquiagem disfarça qualquer fealdade.
É por isso que a arte de maquiar, tornou-se arte.

Disfarçar, é uma forma de arte (arteira), pois tem a capacidade
de desfazer detalhes improprios, pondo-os à vista como  perfeitos.

Tudo que disfarça, num mundo de disfarces, adquire status
de fina arte, transformando-se em verdade.

Quer tornar-se eficiente em qualquer empreendimento ?
Faça. Vista as botinas, arregace as mangas e mãos à obra.

Virá porrada de todos os lados, contratempos, criticas,
quedas e embaraços. Nem por isso deixará o campo de luta,
e será, exatamente, por isso, por não se acovardar, por não se
intimidar, que ficará resistente, e descobrirá, por fim,
natureza do que é feito. 

Se o sistema de defesa não for desafiado pela doença,
será de todo improvavel que haja saude.

A saude não é algo que venha de fora, mas se constroi 
a partir de uma mecanica interna, de uma luta permanente
da defesa local contra os agentes de agressão.
É desse embate que resulta a resistencia, e a capacidade de
manter-se higido, forte e saudavel.

A criança cai, mas aprenderá a andar.
Adoece, mas ficará forte.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

PREVENÇÃO MEDICA - VOCE ACREDITA NISSO ?


Li hoje, num periodico da cidade, uma entrevista com um renomado catedratico, falando sobre PREVENÇÃO.

São palavras suas : "A grande arma dos medicos,  no combate às
patologias, é o diagnostico precoce a partir de um trabalho de
prevenção ". 

Falou de exames laboratoriais e de imagem como a grande 
estrategia para manter a saude.

Vamos analisar a proposição do emerito especialista.

"A grande arma... no combate às patologias, é o diagnostico
precoce... atraves da prevenção".

Entendeu alguma coisa ? Não ? Nem eu.
Combater as patologias (algo já instalado) com diagnostico
precoce ... como pode ? O diagnostico precoce
 apenas confirma que a doença está aí, e combater algo,
 não tem a equivalencia de prevenção.

Diagnosticar precocemente não é o mesmo que prevenir, mas
é exatamente isso que sua eminencia propõe.
Prevenção tem o sentido de EVITAR,  IMPEDIR que
qualquer mal tome corpo. Depois que a coisa tomou conta,
não será o diagnostico precoce que fará sua prevenção.
No parecer dele, porem, há que ficar doente primeiro,
 para somente então prevenir (?).

Mas, prevenir o quê ? Não irá mais prevenir coisa alguma ...
a não ser a morte. 
E porque esse diagnostico precoce é a grande
arma dos medicos ? A grande arma, não deveria ser no sentido
de não adoecer,  manter-se saudavel e viver em paz ?
 Não é esse o conceito, ipsis literis, da palavra prevenção ? 
Pre-venir ( antes de acontecer ), isto é, agir antes de acontecer.
Detectar, é descobrir, constatar, pôr à descoberto o que está aí. 
Portanto, detectar não é equivalente à prevenir.
O detectar é posterior ao prevenir. Não é mesmo ?

Essa tão aclamada prevenção da medicina quimica,em verdade, não previne, de modo algum ... talvez apenas a morte !

Que medicina é essa que preconiza a doença ao inves da saude ?
Ter que adoecer para então, e somente então, intervir ?

A prevenção é anterior à doenca.
Prevenção é dar condições à pessoa poder cuidar-se para manter
a saude, e o bem estar. 
Mas, a medicina não preza a saude, pois está
comprometida com a doença. É a medicina da doença.

Voce está satisfeito com esse modelo medico ? 
Somos todos, porem, doutrinados que é assim que é. E não aprendemos, atraves da atuação dos profissionais da saude, 
a nos mantermos saudaveis, pois somos apenas medicados à exaustão, visando apenas, e tão somente, as enfermidades.

A pessoa fica dependente, vulneravel, fragilizada, alem de
totalmente incapaz de fazer algo, por ela mesma, para
 manter-se bem. Foi catequizada a tomar seus comprimidinhos coloridos, de tantas em tantas horas, dia apos dia,
 até o ultimo dia da vida.
Fica totalmente dependente das drogas - apenas para não morrer.
Não morre, nem por isso tem saude.

Vida pequena, miuda, constrangedora, melancolica.
O panorama é deprimente, e, mais que isso, sem perspectiva
alguma, sem ter para onde correr.

Que mundo é esse que habitamos, nós seres humanos, doentes,
confusos e sem esperança ?
Alguem já falou, dando a conotação de inferno a esse mundo.
 Não é necessario ser visionario ou muito imaginativo,
 para ter tal constatação.
Basta apenas ter meio olho aberto... meio, apenas.

A solução ? Não espere por ela. Não espere pela autoridade
cientifica, pela medicina hi tech. Vá à luta, busque, deixe se ser
paciente para tornar-se ativo, impaciente com o que está aí.
Desconfie dos cientistas, dos que carregam muitos trofeus
na lapela, e muitos diplomas na parede, dos que fazem grandes discursos, proclamando grandes maximas.
.
Os grandes dogmas apenas compensam uma falsa erudição, com "sabedoria" emprestada. 
Falam muito, falam da medicina das evidencias, mas não
falam alem do que ouviram falar.

Um idiota falando o que outro idiota falou.
Não falam por experiencia de fato. Trata-se apenas de um festival 
de vaidades, de pompa, onde tenta esconder-se a futilidade
com apenas mais obtusidade.

Mas, foi a autoridade que falou. Assim, todos lhe dão credito,
batendo palma, baixando a cabeça e seguindo com seus
remedinhos. É facil se conformar na ausencia de alternativas.
 Assim, o bailado segue em frente, barulhento,
ensurdecedor e deprimente.

Porra, é do cara ficar completamente doido ! A gente já tem
 pouco neuronio funcionando, e com essa embromação toda, 
perde-se, de vez, os poucos que ainda estão de pé.

Prevenção não se faz com a parafernalha de exames, mas com
alimentação correta, com orientação, instrução, onde a pessoa
aprende, ela mesma, tomar conta de si, para manter-se saudavel.

Exame detecta enfermidades, enquanto a alimentação promove
saude. Em qual proposta reside o bom senso, a lucidez e a
compostura ? 
Perseguir doenças, como quem caça ratos, ou manter-se saudavel,
atraves de um estilo de vida condizente, promovido, exatamente,
pelo profissional que se diz medico.

Qual a canção que se canta neste mundo ? 
Não é, certamente,a canção da alegria, 
uma canção de louvor à vida,
mas a canção da desesperança,
o canto lamentoso da resignação.


quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS PASSARINHOS, A CALMARIA... É FERIADO !


No fio de luz um passarinho solitario, silencioso... que estaria
pensando, no seu silencio, ao observar atento ?

O ceu de todo azul, alguns floquinhos brancos, apenas,
 como algodão esvoaçante, contracenando com a intensa luminosidade do firmamento colorido.

A aragem suave, qual caricia sedutora, sacode as folhas
num farfalhar delicado, produzindo um som melodioso,
 como quem ensaia uma cantiga alegre.

É feriado. Ainda manhã bem cedinho.
Os caminhos, sem transeuntes, 
e as ruas, sem movimento.

Ao longe o ruido de alguem cortando lenha.
Depois, novamente, o silencio.

Um sabiá cantando...
Folhas caidas, coloridas,
 rolando lentamente ao sabor do vento de outono.

Um cão latindo à distancia ...  parecendo triste,
como quem está solitario.

Pequeninas flores vermelhas no canteiro da rua,
desejando bom dia aos transeuntes fortuitos.
Desejei-lhes tambem toda sorte do mundo.
Elas ficaram felizes...

Um gato no muro, espreguiçando ao sol,
indiferente ao meu passo, à minha passagem.
Apenas um rapido olhar,
como quem deseja um bom dia

Reconheci seu pio... uma pequena caruira, 
empoleira entre os arbustos, com seu cantarolar discreto.
Lembrou-me da infancia, povoada de passarinhos... 
quase saudade.

E a sirene estridente da faceira cigarra ? 
Espalhafatosa, mas, sem duvida, festiva.
Que faz o louva-deus para estar assim... sempre alegre ?

Um carro passa rapido com som estridente.
Fiquei pensando... quanta loucura se faz necessaria
para fazer-se notar.

São como um bando de seres invisiveis, fantasmas ... essas
figuras barulhentas.  Estão aí, querem fazer parte, 
mas não fazem mais que numero.
Tem cartão de identidade,
apesar de não terem identidade alguma. 

A algazarra dos pardais desviou meu pensamento...
são barulhentos, sem serem enfadonhos... são seres alegres,
felizes... satisfeitos.

É feriado. E as manhãs de feriado são contemplativas,
enfeitadas de poesia... e um quezinho sutil de saudade !   



domingo, 20 de abril de 2014

O TRANSEUNTE MISTERIOSO


Passou por mim como todos os transeuntes passam.
Uns, apressados, esquivando-se por entre a multidão,
como se fossem acossados.
Outros, proseiam, enquanto seguem em frente,
mas da mesma forma tensos, confusos, e pesados.

É o burburindo das calçadas, gente cruzando,
se entrecruzando, no mesmo sentido, em sentido contrario,
num alvoroço intenso, parecendo improvavel alcançar a meta.

Que destino é esse que se busca com passo nervoso,
 mente confusa, medo e hesitação ?

Seguia eu com meus quarenta pensamentos, tentando encontrar tambem minha sorte, meu norte, meu sossego.

De repente... um assobio. Alguem assobiando baixinho,
como quem cantarola uma toada feliz. Um acalanto para
serenar a alma em meio à confusão do mundo.

Gostei da cantiga. Lembrou-me uma canção antiga, já de 
todo esquecida, mas que retorna à lembrança, de mansinho,
como quem chega de longe.  

Como poderia alguem manter-se imperturbavel, 
em meio à massa alvoroçada, enlouquecida, levada pela
correnteza dos temores e apreensões ?

Seguia assobiando baixinho seu acalanto de sossego...

Certamente, não carregava o peso de pensamentos,
 assobiando descontraidamente, como se distante
da multidão enfurecida.

Procurei, por entre os passantes, quem seria a figura
estranha, entoando, no meio do tumulto, uma canção animada.

Procurei em vão, e, com isso, o som tambem silenciou. 
Mas ficou comigo uma sensação de conforto, de alivio, de bem
estar. Aquele assobio, ouvido no meio da multidão, fez meu passo mais tranquilo, minha cabeça menos confusa. E uma estranha lucidez tomou conta do meu ser.

O personagem desconhecido, com seu assobio festivo,
 em meio ao alvoroço do mundo, mostrou-me que o passo
pode ser menos tenso, que as incertezas fazem parte,
e que  a atmosfera interna não tem de seguir 
a inquietação externa.

A disposição interna para cantarolar baixinho
 uma canção feliz, desacelera o tumulto da mente,
 a pressa do passo,e a descrença na vida. 

Desejei-lhe toda sorte do mundo - o transeunte misterioso -
 por trazer-me à lembrança minha cantiga antiga, aquela...
 esquecida por tanto tempo.

E, no meio de tantos passos desencontrados,
senti saudade... como pude ter esquecido...
houve tempo em que trouxe alegria,
mas, perdido em pensamentos...
deve ter sido isso...
pensamentos...  
e a melodia se perdeu,
assim como se perde tanta coisa pelos caminhos, 
encontrá-las de volta, 
somente com as benesses do senhor Alá !

Um assobio... 










sexta-feira, 11 de abril de 2014

PARA ONDE FOI O TEMPO PERDIDO ?


O tempo perdido.
Já houve tempo em que imaginava
esse tempo poder recuperar.

Mas tempo perdido,
não acha mais de volta.

Tantos caminhos não batidos,
 vivencias desperdiçadas,
e tanta experiencia sem nunca ter sido testada.

O não vivido de ontem,
não será mais encontrado
em alguma curva do tempo,
ou em alguma caixinha guardada
no fundo de qualquer bau.

O desconforto de hoje,
não será talvez pela aventura não vivida,
pela alegria daquele momento
que tanto justificou em não viver ?

Havia medo, não havia ?
Ou, quem sabe, apenas displicencia,
pois há o tempo em que se imagina
haver sempre tempo disponivel,
oportunidades sem fim,
para viver o que deixou-se escapar.

Mas perde-se com isso tambem o traquejo, 
o jeito pela aventura,
o gosto pelo imprevisivel.

Agora o momento é outro,
o contexto não é o mesmo,
e as exigencias mudaram.

Os mesmos motivos que evocou na epoca
para não viver o momento,
para não entusiasmar-se,
são hoje novamente evocados
para não viver este momento.

O não vivido de ontem
repercute hoje em forma de dificuldade
para solenizar esse instante.
Falta o traquejo e o jeito para a coisa.

Assim, nem o tempo, nem a distancia
são situações favoraveis
para recuperar o tempo perdido.

Mas, para quem não se perde no tempo,
olho vidrado em retrovisor,
há sempre tempo disponivel
para viver este tempo, 
e celebrar este momento.

sábado, 5 de abril de 2014

O INFERNO DE DONA MARIA


 - Como está, Da. Maria ?
 - Um pouquinho melhor. Já não doi tanto, e o enchume
      tambem já cedeu um pouco.
 - Que bom, Da. Maria. Espero que melhore de todo. 
      Fique com Deus.
 - Vai com ele tambem.
 E cada uma seguiu seu proprio caminho.

 Um tempo mais tarde...

 - Olá, Da. Maria, que bom revê-la. Como tem passado ?
 - Ihch, minha filha, piorei de todo. Estou indo para o medico.
     Até acho que o tratamento não serviu para nada. 
       Já não sei  o que fazer com essas dores, 
       com esse sofrimento sem fim.
 - Não se entregue, Da. Maria. Continue a tomar seus remedios
     e fé em Deus.
 - Fé que não falta, minha filha, o que falta é o doutor acertar
     o remedio.

 Cabisbaixa, desanimada, acenou para a amiga, se despedindo.

 A outra ficou pensando na luta da amiga. Quanto sofrimento !
     Sempre doente, correndo de um lado para o outro,
      de consulta em consulta, exames interminaveis, RX, eletro,
       RM e sabe lá Deus quanta embromação a mais. Mas, 
       solução, que é bom, nada. Enquanto isso o coração continua
       descompassado, a tireoide pifada, diabetes sem controle,
       afora as cirurgias sem conta, e por aí segue a via crucis 
       interminavel da infeliz Da. Maria.

Dia desses pensou em acabar com tudo, porque viver dessa
        maneira perdeu toda graça. Mas faltou-lhe coragem, e teve
        medo da dor. Ouviu falar que se matar doi muito, alem do
        que, poderia parar no inferno. 
        Mas, inferno por inferno... mesmo assim, deixou para lá.
      

 Os filhos não estão nem aí,
        pois cada um está pela propria sorte. O primeiro marido
        já se mandou, faz tempo, e o atual, esse tambem está sem 
        serventia. Um imprestavel, resmunga ela baixinho.

O padre Francisco lhe falou que é para aguentar, pois quem não
       desiste, tem o paraiso assegurado. 
        Despediu-se do reverendo, e ficou pensando nesse tal de     
        paraiso. Achou o conselho um pé no saco, pois se soubesse
        da sua situação, não falaria tanta tolice.
         Seguiu então seu caminho, mais desconsolada ainda, sem
         norte, sem esperança e sem estimulo qualquer.

Há um tempo em que a pessoa transforma-se num simples 
       amontoado de dores, de queixas que ninguem ouve, 
       de peso que já não consegue carregar. 
        Está só. Até de si mesma.

Agarra-se então às caixinhas com seus comprimidos coloridos,
      ultimo alento para quem tudo perdeu, não tendo mais
      em que se segurar. Mas, quando o encanto da vida se foi, o
      desejo de viver escorregou pelo mesmo ralo, 
       esperando até que o medicamento não funcione,
        desfazendo-se assim da vida, sem sentimento de culpa.

Quem não encontra mais sentido na vida, nada mais poderá ajudar.
        A vontade primordial da vida não está mais
       presente. Perambula pelo mundo como um fantasma.
       Um fantasma mal-assombrado. 
       Já está morto. Faz tempo. Falta apenas anunciar o funeral.
        





segunda-feira, 31 de março de 2014

NEGAMOS NOSSOS DEFEITOS PARA NÃO MUDAR


Há aspectos de vida que são praticamente intocaveis.
Vivem em espaços obscuros e de escassa ventilação.
Confinados à mente como intrusos não reconhecidos,
 impessoais, e até negados veementemente.

Tambem mentimos para nós mesmos sobre sua existencia,
justificando-nos de todas as formas possiveis, no sentido de não
termos que agir, para modificar a realidade dos fatos.

Humildade. Somente muita humildade consegue
destravar o ferrolho da porta que aprisiona nossos
demonios mais rebuscados.

Estão confinados à sombra como se não tivessem existencia
real, apesar de estarem aí, apenas não confessados.

O negado não deixa de existir por negá-lo, apenas aprofunda-se
mais e mais, tornando cada vez mais dificil a possibilidade
de admiti-lo como sendo pessoal.

Transforma-se em filho prodigo, aparentemente sem morada,
apesar de fazer parte ativa da vida a todo momento.

São todos aqueles aspectos comportamentais
que nos trazem as maiores confusões e sofrimento, 
tanto no convivio com os demais, assim como com a gente mesmo.

Confessá-lo, é assumir sua paternidade, trazendo para a
luz o que se encontra confinado em porões fortemente lacrados.

E o que lança luz sobre essas trevas, é a atitude humilde,
quando não há mais justificativas, desculpas, mentiras
ou negações, onde se assume livremente a limitação.

Negamos nossa idiotice, deficiencias e fraquezas como
se conseguissemos anulá-las, simplesmente escondendo-se
 por detras de desculpas esfarrapadas, recusando em aceitá-las. 

Chega até justificar-se, conferindo-lhes outras denominações, desvia, rodeia, engana, apenas para não assumir o fato,
para não assumir o compromisso da mudança.

Mentimos para nós mesmos sobre tudo quanto nos apequena,
apequenando a vida. Mentimos por não querermos mudar.

O alcoolatra nega com força de alma que não 
é dependente, apesar de recender à bebida por onde passa.
O teimoso nega sua teimosia dizendo que tem atitude,
mesmo infernizando a vida dos que estão à sua volta.
O mentiroso se acha esperto.
O preguiçoso espera pelo outro. Diz não ter pressa.
O apressado não confessa seu medo.
E o ranzinza acena com a desculpa que os outros são
chatos, e que, não fosse por ele, o mundo, certamente,
não continuaria de pé ... e a cantilena é interminavel.

Se a humildade fosse uma virtude simples de praticar,
não seria a vida de cada um de nós um pequeno
paraiso, e o sofrimento uma vivencia praticamente
fora de moda ?