domingo, 29 de julho de 2012

VOCE AÍ, TEM CERTEZA QUE NÃO FALA SOZINHO ?

a
                A manhã estava fria.  Ao longe ainda se via a neblina que, aos poucos, ia se desfazendo, à medida que o sol ficava mais animado.
                 Apos alguns minutos de caminhada, inspirações profundas do ar fresquinho da manhã, o passo se tornava mais
vigoroso, transformando-se numa sensação agradavel de bem
estar e leveza.
                        Não havia ninguem mais, mas ao dobrar a primeira
esquina, uma mulher de passo lento, movimentava mais os braços,
com gestos nervosos, que propriamente as pernas na sua caminhada
lenta e aparentemente sem proposito, na fria manhã de domingo.
                       Parecia agitada, tomada pela irritação, inquieta na
sua gesticulação com movimentos rapidos fazendo o corpo
se tornar tambem agitado e sem controle.
                                                                         À medida que fui
me aproximando constatei que estava realmente descontrolada,
em furia, os movimentos energicos dos braços em sintomia com
o discurso do seu falatorio. Falava alto como se estivesse desacatando alguem, acusando enraivecidamente, fora de
controle. Cena insolita para uma manhã de domingo em que o sol
ainda era timido, e a nevoa nem tinha de todo se desfeito ainda.
     Ao passar por ela pensei de alguma forma ajudar e a saudei
dizendo "oi, tudo bem ? " Ela parou,  parei tambem. Mesmo tendo parado e estar me olhando, continuava na sua pantomina, gesticulando e falando furiosamente. A impressão era que não
me via. Olhar nebuloso. Mente confusa. Transtornada. 
            "Imagine que ingratidão..." e foi desfiando  seu rosario de
lamentos e queixas,  toda forma de injustiça que julgava estar sendo
submetida sem piedade.
    Discurso inflamado como quem  defende uma causa com toda
força de sua alma, justificando sua revolta e indignação.
       Como estava apenas caminhando, sem interesse algum com
o dramalhão de ninguem, dei meu parecer concordando com ela,
dizendo que estava certa e que tinha razão por estar tão revoltada.
  Concordo com a senhora, tentei concluir. As pessoas são ingratas e não estão nem aí para o sofrimento dos outros.


           Nesse momento se calou , a gesticulação cessou, e a boca
se repuxou levemente para cima, apenas de um lado, como se
fosse a mimica de um sorriso de escarnio, de altivez e menosprezo.
  "Concorda com o que, seu maluco, se nem te falei nada ! ? ..."
"Concorda com o que ?"


     Deu meia-volta e continuou sua marcha, possuida pelo terror
do odio, descontrolada pelo abandono, desamparo e rejeição.
 Enquanto dava os primeiros passos consegui ainda ouvir o seu
xingamento, se referindo agora à minha pessoa. "Parece doido ! Deve ser mais um desses malucos que andam por aí falando sozinhos. Concordar... concordar... ". 


       Depois continuou seu monologo enfurecido que nem ela propria  era capaz de ouvir.
                                                   Diminui meu passo para deixá-la
seguir em frente. Enquanto dobrava a primeira curva, ainda
consegui ver os movimento dos braços fazendo seu discurso
inflamado, perdida nas suas tristes lembranças.
                  Quando a falação, não audivel da cabeça, toma todo o
espaço disponivel internamente, vaza para fora, o discurso
transborda e se faz barulhento. Se torna publico, comunitario, com
plateia e até gritos de olé.
                                          De igual modo que não percebe o falatorio da cabeça, não irá tambem ouvir ou se dar conta
quando a boca fala sem querer.


                                    Já não supos alguma vez que isso aqui não passa de um gigantesco hospicio, povoado por seres malucos,
alienados, esquisitos e desvairados de toda ordem e intensidade ?
Uns falam alto para dentro, que ninguem nota, nem o proprio,
outros tantos se fazem ouvir por todos, salvo por si mesmo.


          Cuidado !   Não fica aí tão confiante na sua lucidez e sanidade mental.
Não é por não sair por aí falando alto enquanto caminha ou 
não faz nada, que possa ser atestado como mental ou psiquicamente
equilibrado.
 Por acaso se dá conta enquanto sua cabeça fala ininterrupta, incessante, continuadamente, sem tregua, dia e noite, a vida toda, e talvez até após virar defunto ?
 Defunto tambem se queixa, não sabia ? Se queixa da vida  que terminou, de não ter vivido, e deixado tanta coisa em aberto para quando tivesse tempo. Como pôde ter passado assim tão
rapido  ? Ninguem me falou nada que  seria desse modo, de 
supetão, sem aviso, me fazendo de trouxa, pouco caso.
 E lá vai se lamentando, como fez tambem em vida, nosso lastimoso desencarnado.
 O tempo que esperou para viver, acabou no caixão enfeitado de flores,  flores que talvez nunca tenha recebido enquanto ainda 
era vivo. Vivo ? Tem certeza ?
    
         O dialogo interno é envolvente, incrivelmente silencioso,
sem ao menos nos darmos conta que esteja acontecendo. É por isso que asfixia aos poucos, lentamente, como uma substancia anestesiante, que nos induz ao sono, um sono profundo, imobilizante, sem retorno, feito esquecimento ou talvez saudade.
 O sono da morte de quem não se deu conta ainda que
já não vive. Esperou tanto para viver que a paciencia da morte
se esgotou. Entrou em cena, desfez os cenarios, apagou as luzes
e se fez silencio. O dramalhão finalmente teve fim. 
                             Parece vivo, mas a morte já tomou conta. Faz 
tempo que virou defunto, apesar de ainda estar  caminhando por aí,
com discursos inflamados, defendendo pontos de vista, se 
achando injustiçado, ou se queixando de tudo, ou se achando
importante.


           O dia apenas começava, a nevoa se desfazendo, se
diluindo, enquanto o sol ainda era timido mas cheio de valentia. A caminhada infundia animo, disposição, contentamento, serenidade.
Os passarinhos cantavam cheios de vigor e entusiasmo. Os carros
passavam como quem tem pressa. Para onde iriam tão cedo, numa
manhã de domingo, com tanta urgencia ?


            Aquilo que os fazia correr com tanta ansia, não seria
talvez o falatorio da cabeça, que ainda não se transformou em
discurso publico, mas nem por isso percebido ? 




     
















             


        
       

                              


       

sexta-feira, 27 de julho de 2012

ETA VIDA PORRETA !


           

                    Já se perguntou alguma vez

         se ainda continua vivo ?

   Ou, talvez, não tenha se dado conta, pois

faz tempo que já morreu ? Sabe desde quando

se tornou  defunto ?

    Um dia desistiu, não foi ? Achou que não valesse 

mais a pena, pois não chegaria de qualquer modo.

Medo da entrega, de arriscar, medo das mudanças

e do comprometimento.

Medo de comprometer-se com os designios da alma,

com espaços de outros niveis, com algo maior.

Medo dos caminhos pouco percorridos, talvez

ainda nem mapeados e sem guias de orientação.

Alinhar-se. Submeter-se. Seguir em fila indiana.

Simplesmente se sujeitar. Bater continencia para

a uniformidade e a mesmice.

Medo da rejeição. Não foi isso ? Medo de não fazer

parte. Medo da critica, desconsiderado, deixado

à sua sorte. Medo. O medo que alinha e aliena.

O medo que torna tudo igual, que nivela e massifica.

Deshumaniza. Empobrece. Abrutalha. Estupidifica.

Alienação é isso. Perda do senso de orientação, 

vacilante, duvidas, sem rumo, sem decisão.

Hesita. Paralisa. Estagna.

Indeciso, simplesmente segue. Seguir parece mais

seguro. Quem não se determina, se encolhe, se

acanha, se avilta e simplesmente segue. O passo

deixa de ser passo e se torna compasso, cadencia

monotona que se fez fila, alinhamento.

Não é assim que se formam os rebanhos e se torna

paroquiano ? Entoando todos, em unissono,

 os mesmos canticos, todos com a mesma cara e o 

mesmo olhar sem vida. A subserviencia é indecorosa,

degrada. Depravação da alma. Degeneração do

espirito.

Socialização é isso. Domesticação. Uniformização.

Tudo igual. Mesmice que imobiliza, embota,

automatiza. Robotização não é isso ?

A arrepiante e assombrosa monotonia da vida ! 

Sonhos... ambições... ideais... anseios...

Lembra quando foi que renunciou ao chamamento

da aventura e da ousadia ?  Ao chamamento

   da realização ?  A valentia se acovardou e um 

cheirinho de podre, muito desagradavel, se fez

sentir em sua vida. Lembra ?

        Percebeu então, nesse instante, que seria mais

 facil  reconsiderar, abrir mão, ou ao menos 

postergar, deixar para um outro tempo, quem sabe, 

talvez...  Me deixe em paz, estou tão cansado !

   Quem  desiste dos sonhos, simplesmente segue

 a marcha lenta e funebre dos que já morreram. 

Desistentes da vida. Renunciantes. Cabeça baixa e 

rabinho entre as pernas ! Os retirantes.

Normas, rotinas, horarios, contas e compromissos.

Parece estar vivo por estar respirando ? Isso não é 

conclusivo, nem suficiente. Não seria apenas ilusão,

 ou força do habito ?

   Só porque acha que não morreu, não significa que

esteja vivo. 

Os mortos-vivos cheiram bem pior que os 

verdadeiramente mortos. Não sentem seu fedor, 

assim como quem exala à podridão, com seu halito

repugnante.  Ambos não reconhecem  seu estado 

putrefeito.  Ambos já não se percebem, não se

sentem.

Nos habituamos a tanta coisa, até a cheirar mal.

 Ao menos os mortos, estes já não sofrem  e nem

 se importam. O morto é sempre autentico. Não há

falsidade na sua postura, pois não necessita mais

ser importante. As mascaras cairam, e é por isso que

parece tão livido, gelido, com cara de defunto. Sem

as mascaras é assim que nos parecemos todos, os

já defuntos e os que acham que ainda estejam vivos.

     Quão poucos despertam em vida para que possam

viver ! Não sabem disso, mas não estão vivos. Talvez

nunca venham a saber.

Aprisionados no igual de todos os dias, rotinas

entediantes, sem prazer, sem criatividade... sem

tempo para viver.

Acorda todos os dias à mesma hora, come algo,

já atrasado, vai para os mesmos lugares, faz

as coisas de sempre, sempre do mesmo jeito, corre,

se estropia, nervoso, inquieto, amedrontado, 

oprimido, sem esperança, sem paciencia, sem rumo.

Eta vida porreta !

O que corre nas veias deixou de ser sangue para se

transformar em medo , raiva, resignação ,

conformismo, desalento, apatia, desesperança.

Corpo sem vida. Vida de faz de conta.

Anda por aí, não mais por vontade propria,mas

 movido por um mecanismo, igual ao bonequinho de 

dar corda.

Segue pela vida.... toc...toc....toc, enquanto durar

a corda que faz a engenhoca girar.




















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quarta-feira, 25 de julho de 2012

NOSSOS OBJETOS DE PODER


              Agarramo-nos a tantas coisas que nos tornamos pesados pela carga que carregamos.

  Nos apegamos à nossa casa, às pessoas que gostamos ( ou necessitamos ), à comida predileta, à tantas
manias e excentricidades, as quais  chamamos de habito ou traço de personalidade, sem nos
darmos conta que estamos a elas aprisionados, envolvendo-nos e apequenando nossa vida.
       
       O principal referencial da vida é dado pelos apegos, aos quais nos submetemos sem questionamentos ou avaliações.
                                                      Nos agarramos a muitas coisas, mas, inquestionavelmente, nos
prendemos à necessidade primodial de sermos aceitos, de fazermos alguma diferença, de sermos pessoas
especiais. É o pequeno em nós que se apega, se agarra como um mecanismo de compensação. É o pequeno em nós que necessita de tanta coisa, coisas dando-nos importancia, em função do sentimento   da falta de importancia, ou pobreza interior. Favelado espiritual. Vendemos nossa alma ao bom capeta em troca de aquisições, conquistas, aparencia, o espaço enfim que criamos para nos tornarmos visiveis, para nos sentirmos bem mas principalmente valorizados.
 A visibilidade é o nosso principal referencial que orienta nossos esforços e buscas, igual a libelula que bate sem parar à vidraça, atraida loucamente pela luz. O brilho do mundo nos fascina e nos encanta. Os espelhos representam ainda os objetos de maior prestigio, na insensata racionalidade do homo sapiens. Não nos vestimos mais com penas, mas de longe deixamos de ser selvagens, reverenciando loucas ilusões, como deusas da salvação.
                                                      Levaremos, sem duvida, um tempo infindavel para deixarmos para
tras o nanico que existe em cada um de nós, sedento de atenção, reconhecimento e admiração.
Somos, antes de mais nada, seres extremamente carentes, buscando no mundo um senso de identidade e autonomia, tanto psiquica quanto pessoal. 
   Será que algum dia conseguiremos nos bastar, ou seria esse um proposito totalmente sem proposito ?


               Desprendimento. Desapego. Palavras encontradas nos dicionarios mas de aplicação na vida
extremamente complicado. Nos agarramos em função da nossa insegurança e precariedade da auto-
imagem e falta desse lastro interior. Nos entulhamos com coisas como muralhas de proteção.
Nos tornamos pesados. Nos paralisamos. Emparedados.
 Quão caro o preço que pagamos para nos sentirmos seguros, sem estarmos realmente seguros e protegidos.


            É a necessidade que nos faz ver o mundo como o percebemos. O mundo como provedor
das nossas necessidades. As coisas amparando e protegendo a ideia que construimos como
identidade pessoal ou imagem reconhecida. Nos reconhecemos em função do que armazenamos nos
porões subterraneos dos nossos medos e inseguranças.
                                  O apego cria um limite interno, limitando a mobilidade. Quanto mais intenso o apego,
é com essa intensidade que seremos aprisionados e limitados. Ficamos retidos dentro desse
sentimento, limitados internamente. Ficamos ao mesmo tempo aprisionados a tudo que nos propõe uma
realidade de segurança. A segurança que buscamos no mundo, não é outra coisa que uma divindade
ficticea num altar de muitos deuses com muitas promessas, quimeras e utopias.


           Desapego é isso. Suspender o sentimento, soltar, abrir mão, desprender-se da importancia que
aquilo possa representar em nossas vidas. Libertamo-nos, desse modo, das amarras que nos prendiam àquilo, sem atrelarmos mais nosso valor , auto- reconhecimento , ou identificação a atributos ou simbolos
das potestades do mundo.
                                               Enquanto houver expectativas, seremos afetados pelos acontecimentos.
Enquanto ficarmos à espera, o mundo e as pessoas nos trarão sofrimento.
Sem expectativas haverá paz, pois a atitude da espera, cria ansiedade e tumulto interior. O desprendimento
cria serenidade e força ao mesmo tempo. Quem não se prende a nada, nada haverá para defender.


         As mudanças reafirmam e confirmam o desapego. É por isso que ambos são tão dificeis. As coisas
às quais nos agarramos com tanto vigor, representam nossos simbolos de poder, como se fossem
amuletos, nossos talismãs da sorte.. Eles nos simbolizam. Colocamos neles nossa energia para que possam
nos proteger, para que possamos nos sentir protegidos. Veja só, colocamos nossa energia neles, como se
fossemos imantá-los, e, desse modo, perdemos nossa energia. Por isso são simbolos de poder. Vem
carregados com energia, com a nossa energia. E como são simbolos de poder, serão cobiçados pelos 
demais. Os selviculas bebiam o sangue e comiam a carne dos inimigos abatidos ( dos ini migos poderosos )
pois, acreditavam que, com isso, o poder lhes seria passado. No mundo atual, não há mais interesse em 
sangue ou carne, mas nos objetos de poder, aquilo que se guarda sob muitas chaves e outros tantos
segredos.
                  E, quando nos forem tomados, nos sentimos desconsolados, sem energia, sem poder, 
esvaziados, pois nossa energia foi com eles. Não perdemos o objeto em si, mas sua representação.
É por isso que o sofrimento não é possivel enquanto não houver apego, objetos de poder. Quem não 
se apega, jamais será roubado. O medo da perda  atrai o ladão. Sem envolvimento simbolico, não há
infortunio, pesar ou desgraça. 
                                               O sofrimento representa perda. Se não estiver apegado, não haverá
perda. As coisas poderão ir, como sempre vão, mas sem dor, sem o sentimento de perda, de vazio
interior.
                      A gente tem a impressão que não existe outro caminho, outra possibilidade a não ser nos
agarrarmos à estrutura do mundo, ao envolvimento das coisas ou mesmo pessoas.


       Porque acreditamos nisso ? Porque não temos nada melhor para acreditar.


                      E é por isso que nos apegamos.


            Endeusamos as coisas para nos sentirmos um pouco no paraiso.  




































sábado, 21 de julho de 2012

E O SENTIMENTO SE FEZ SAUDADE


             Existem certos estimulos, como se fossem gatilhos, que nos possibilitam viajar no tempo.
  Sinais, sons, visões que, num simples relance, nos projetam para um outro tempo, para outros cenarios,
arquivos, até então  fechados, que se desdobram, revelando seus conteudos perdidos na memoria.
   
      E a lembrança esquecida se torna viva novamente, percorrendo o corpo num leve tremor, como num susto nos pegando de surpresa. Como magica, somos, inesperadamente, arremessados para um outro
mundo, paisagens que não nos são de todo estranhas, pois um dia estivemos aí, mas já de todo olvidadas.

        Será que o tempo realmente passou, ou ficou guardado como se guardam coisas velhas no
quartinho dos fundos, não mais requisitadas, mas ainda presentes ?  A gente já esteve lá. Como foi
que  esquecemos do panorama com seu colorido, com seu cheiro, com seu encanto ?

                 Se entreabrirmos a portinha das imagens esquecidas, a lembrança delas continuará presente
em forma de sentimento, talvez com matiz de saudade. A paisagem era linda, o movimento era solto,
e havia visões de outros mundos. Tantos sonhos ! Expectativas sem fim !


         E, de dentro do paraiso, tinhamos sonhos de um paraiso futuro -  a grande quimera de um tempo
glorioso projetado para dentro de um outro tempo. A impressão  que se tinha, era que aquele momento  
seria  um tempo de passagem para momentos melhores, num outro tempo. O tempo como ponte.


                E isso continua vida a fora, ao longo de toda uma vida, sempre à espera, na esperança
que a paz e o contentamento estarão na proxima esquina, no proximo ano, num outro evento.


     E, nessa fria manhã de domingo, o sol ainda timido, escondido por entre nuvens, embaçado pela
bruma, ouvi o canto misterioso de um passarinho estranho empoleirado por entre os galhos de uma
bergamoteira garregada de frutos. O som me era familiar, mas a lembrança era de um outro tempo, pois não consegui reconhecê-lo, perdido em registros de arquivos remotos.  


                  Foi então que o canto melodioso daquela bolinha emplumada, fofa, encantadora, trouxe
consigo um universo de imagens, de lembranças e movimentos de um outro tempo. O menino corria
solto como se o mundo não tivesse limites, como se não houvesse horizontes. Calça curta, pés
descalços, os campos floridos e os pomares abundantes. A algazarra da passarada se misturava à
alegria da gurizada despreocupada e sem compromissos. A infancia é isso. Tem-se a impressão
que sempre estará aí e que seremos crianças para sempre. É por isso que traz saudades, pois
parece ser um tempo que jamais passará.


                E lá estava ele, no alto da bergamoteira. Uma bolinha escura, pequenina, quase imperceptivel
por entre a folhagem escuro-esverdeada, entoando sua cantiga alegre, suave e comovente. Ele estava
lá, o  canto foi ouvido de um modo displicente, mas se fez lembrança, guardado em memorias no
fundo da alma.
                            E o sentimento distante foi recuperado atraves daquela lembrança. Na verdade,
a coisa sempre esteve aí, como uma presença sutil, um movimento silencioso, feito de quadros  
sobrepostos  como num filme, passando morosamente. 


       Parecia um truque, mas a presença não deixava duvidas. Era real. O som daquele gorjeio abriu
um espaço, um outro nivel de percepção, uma consciencia estranha, para uma realidade distante
de um outro tempo como se fora um album amarelado, cujas imagens, mesmo desbotadas, ainda
guardando o mesmo significado e sentimento de quando vividas naquele tempo.


                   O episodio original se perdeu nos arquivos das memorias passadas, mesmo assim,
 permaneceu cuidadosamente preservado. E o som saudoso da bolinha de penas trouxe consigo
tambem o menino folgado de calça curta, de pés descalços que olhava para o mundo como se não
 houvesse tempo, como se não houvesse saudade.  


             O homem feito olha emocionado para o menino faceiro que não conhecia limites. O menino
alegre, que ainda corre por entre os pomares e os campos floridos atraves de imagens que são
lembranças, mas mais que isso, são sentimentos. Recordações que se tranformaram em saudade,
uma dor pungente de quando se perde o que nos é tão querido. 


                O canto ouvido nessa manhã fria de domingo, em que o sol ainda era timido, não foi
uma simples cantiga de um passarinho estranho, pulando por entre os galhos de uma bergamoteira
garregadinha. Foi uma presença ressurgida dentro do tempo, de um tempo que se transformou em
lembrança,  a lembrança  em sentimento, e o sentimento.... pois é, o sentimento se fez saudade !



   

terça-feira, 17 de julho de 2012

PARA ONDE FOI AFINAL O TEMPO ?



                             Eu  não tive tempo,
     lamenta-se o ancião de voz comovida e olhar pungente.


             O tempo que tive ?  Que tempo  ?
      Não houve apenas correrias, infindaveis idas e vindas,
                   rotinas e compromissos ?


                  Que tempo ?
     O tempo de dar conta foi todo tempo que apenas tive.
          A premencia do momento, de cada momento,
                   exigencias, tantas, e quanto cansaço  !


          Onde foi o tempo de ontem que ainda continua presente
                      querendo ainda viver ?


                 O tempo de promessas e de sonhos. 
       Um tempo em que enfim teria tempo. Não era esse o consolo ?


                      Seria apenas uma miragem esse tempo que olha
     para um outro tempo com o sentimento de não ter passado ?
ou nem ter existido ?
                                    O que passou, foi o tempo que esperei,
    ou a vida que não vivi ?
                O viver que deixei para um outro tempo, quando enfim
     tivesse tempo, para onde foi ?


                   Estou confuso  :  é esse momento apenas o reflexo
        do tempo que passou e pelo qual estive sempre à espera ?
  Onde foi afinal o tempo que parecia não fosse passar ?  Um tempo
que iria me esperar  ?


                     Não havia por acaso um pacto ?   Depois do tempo
   dos encargos, das obrigações e das rotinas,  um tempo enfim
            para ter tempo  ? Não havia sido esse o trato ?


                Para quem não teve tempo para ouvir a chuva ,
       a chuva batendo no telhado de zinco,
                não terá perdido tambem o lapis e o papel
        para escrever uma canção,
                  ou aquele poema que um dia sonhou escrever
        quando enfim tivesse tempo ?

























domingo, 15 de julho de 2012

O CAMINHO PARA A OUTRA MARGEM


                    O velho indio yaqui, Dom Juan Matus, das historias fantasticas de Carlos Castaneda, se
coloca assim ao comentar sobre o silencio interior :  "Desligar o dialogo interno é a chave do mundo dos feiticeiros. As outras atividades são meros auxilios, só o que fazem,  é acelerar o efeito de desligar o dialogo interior". 
                                Não é sem proposito que todas as tradições exotericas de todos os povos de todos
os tempos, desde o mais remoto Oriente até as planicies dos indios yaquis, a exortação tem sido sempre a 
 mesma. Mudam as palavras, a configuração, o sentido, no entanto, tem permanecido inalteravel.


            Aquietar a mente tem sido, desde sempre, a lembrança a que somos  convocados,
reiteradamente, para todos quantos desejamos a paz,  a autonomia de escolhas e independencia de
decisões. Livrar-se da servidão do modo coletivo de ser, do passo uniforme e padronizado da vida normal.

     Vida de figurino, onde a norma é ser normal, no sentido de ser fiel à  norma, ao catalogo, ao
projeto da montagem em serie. Não sair da linha, não errar o passo, não é a isso que nos propomos,
quase todos, com extremo cuidado e empenho ? Não é essa uma das atividades humanas mais bem
monitorada, tentando nos precaver com o maximo de atenção ?
       
                Em ultima analise, é o medo que nos faz ser e agir do modo como nos colocamos. E com
medo, a pessoa  sairá da toca onde está escondido mesmo antes de ser ?  Terá brios para honrar seu ponto
de vista quando sua visão não se ajusta ao ensaio geral, ao coro  dos bem comportados ?  Baterá continencia para si, ou ao vozerio da massa, da fila que segue pesada , com passo cadente, monotono, ao toque infindavel do um-dois, um-dois, com receio de olhar para os lados ?

                Voce tambem se junta à multidão enfurecida exigindo mudanças, batendo em fundo de panela
para se fazer ouvir, reivindicando seus direitos de cidadão honrado e trabalhador responsavel ?
Estaria tambem disposto para pegar em armas, derrubar sistemas e tornar-se um revolucionario em
defesa de uma vida melhor, mais justa e menos dificuldades ?

          No entanto, para deixar de fumar, começar um regime alimentar, disciplinar-se numa atividade
fisica, parar de se lamentar, silenciar a tagarelice infernal da cabeça   -   pois é, a verdadeira revolução
é para conosco mesmos, é particular, é interna e é pessoal. Não é transformando o mundo a condição
necessaria e imprescindivel  que  irá dignificar a vida, ou que produza as mudanças tão obstinadamente exigidas dos outros, quer sejam autoridades, conjuge, patrão, ideologias, politica ou instituições. Já se deu conta, que estamos sempre a exigir de alguem para que possamos estar bem ?  Culpamos, criticamos, a quem quer que seja, na espectativa insana de dar, assim, solução para nossos impasses.


              Qualquer revolução, antes de nada, deve começar dentro da gente, comprometendo-se com novas posturas e visões fora do modelo pré-estabelecido em forma de regimentação coletiva. O rebanho te promete segurança com a perda , entretanto, da liberdade, da autonomia, do autogoverno. Ser cuidado, nos
torna dependentes e vinculados. Não dispensamos ainda os cuidados maternos. Continuamos, vida à fora,
eternos filhinhos da mamãe, reclamando atenção, apoio e muita paciencia.


      Podemos modificar coisas externamente, mas só no inteiror da nossa vontade podemos nos
modificar como seres humanos e vivermos, a patir dai, a maravilha daquilo que somos, maravilha que foi
suprimida pela desumanidade da socialização.


              É preciso abandonar o mundo do pensamento habitual, que não é outra coisa a não ser a
reafirmação sobre a gente. A verdadeira mudança, a  tão desejada e pretendida liberdade, tem inicio
 quando o silencio interior finalmente surge como disciplina e compromisso. Mas quantos querem
realmente ser livres ? Quantos querem pagar o preço por tamanha conquista ? E os que tem conhecimento
do fato, quantos transformam informação em vivencia, em treinamento ? Queremos todos tanta coisa,
mas que isso, de preferencia, venha como dadiva de Papai Noel ! No entanto, o esforço por se
lançar em novos caminhos, abrindo paradigmas, num momento ou outro, será recompensado.


                     Gritamos, a plenos pulmões, por mudanças externas para termos paz,  todavia não percebemos que não serão as coisas do mundo que irão nos tranquilizar,  resgatando-nos do limbo de uma vida de faz de conta, pueril, descompromissada com valores de peso e criterio.


A imagem do mundo que construimos a partir de historias que ouvimos, é essa imagem, validada internamente, o mapa que servirá de guia e unico cenario que seremos capazes de reconhecer. 
Enquanto continuarmos a nos orientar atraves dessa representação, as nossas dificuldades, temores,
tensões, fobias, o tedio de todos os dias e, a vida sem graça de sempre, enquanto isso persistir, as
infindaveis possibilidades disponiveis não farão parte da pauta, não estarão disponiveis na nossa agenda.


                   Ensinaram-nos, desde bem cedo, ouvido da boca de todos quantos nos quizeram bem, que
o importante é a pessoa, o que representamos para os outros, a pessoa social e não o que somos.
A obsessão nos deixa poucas saidas, pois o que se sobrepõe é a importancia pessoal, a imagem elaborada
a partir da socialização, assim como aprendemos a nos ver. Vivemos uma imagem, uma representação,
vida feita  alegoria, vida metaforica, teatralizada, um ensaio geral.


          Em função disso, a aparencia, a fachada tornaram-se o cartão de apresentação dos
participantes desse espetaculo tristonho, cacete e totalmente sem graça. Nos percebemos, uns aos outros,
atraves de mascaras e dissimulações. O que sobra da pobre vida uma vez descartada a hipocrisia, a
conveniencia do disfarce e interpretação de tipos ? 


                E quando chegar o tempo em que o palco lentamente baixar os panos, as luzes se apagarem,
e um silencio denso, pesado, doído se apossar da alma , não havendo mais plateia, ninguem mais, apenas
um  espelho envelhecido, refletindo uma imagem palida, esmaecida, assustadora ? 
Há um tempo para tudo, e para isso tambem. Ou será que não ?


          Reorganizar a visão, é esse o chamamento, pois a realidade é criada por nossa percepção do mundo. E é a razão que sustenta esse modelo, cujo proposito é o de controlar tudo. É pela razão que organizamos
a visão do mundo, e é atraves dela que tentamos nos proteger. Nos apegamos ao fragmento da nossa
visão, desse modo não somos capazes de integrar a totalidade. Nos apegamos ao que somos
capazes de perceber e rejeitamos com todo rigor tudo quanto não se adaptar ao quadro geral da 
da concepção original.


               O caminho da razão pelo caminho da intuição.A renuncia te parece viavel ?   Abrir espaço para a intuição atraves do silencio interior.  E, pelo que se tem conhecimento, não há outra ferramenta que possa nos resgatar do sequestro que a mente nos impos com seu falatorio obstinado.


                Dom Juan Matus nos sussurra ao ouvido, bem devagar, pausadamente, com carinho
para não esquecermos do essencial, do que realmente importa.


    "Desligar o dialogo interno é a chave do mundo dos feiticeiros.... "  


                 Se os que chegaram à outra margem é isso que nos propõe, não seria esse o verdadeiro
mapa atraves do qual deveriamos  orientar nosso passo e comprometimento pela vida ?   





     

quarta-feira, 11 de julho de 2012

ABRIR JANELAS PARA OUTROS MUNDOS


                Buscar explicações e entendimento sobre os mecanismos por meio dos quais criamos nossa
realidade, não deixa de ser, de qualquer maneira, uma aventura emocionante, cheia de misterios e incognitas.
Afinal de contas, estamos tentando compreender o mundo que criamos, o mundo habitado por cada um, o  espaço dentro do qual  existimos, dando forma e consistencia  às nossas coisas, dificuldades e superações, vitorias e derrotas, sofrimento por um lado e algum bem estar em outro  momento.
       
      Tentamos, de qualquer modo, responder, porque a vida que tanto almejamos,sem medirmos grandes  esforços, em todos os momentos e em tudo que fazemos, tratar-se quase de uma quimera ou busca idiota,  por estarmos, afinal, em busca de algo impossivel , na nossa loucura, todavia, considerando que seja talvez possivel. Queremos, de todos os modos, dar credito, pois o que seria da gente sem esse proposito, sem 
essa meta , sem essa esperança ?
  Colocamos, nesse proposito, tudo que nos seja possivel, no entanto, tem-se a impressão que, apesar do esforço, apesar das buscas, o objetivo tem se colocado cada vez mais distante do nosso alcance. O que não
percebemos, ou deixamos de fazer, ou fazemos em demasia, ou de um  modo inadequado para que a
coisa se torne algo quase intangivel ?


            Nossos olhos foram treinados atraves da descrição do mundo que nos foi passado. Percebemos
o mundo como uma imagem informada, já que  é a imagem que se torna realidade. A realidade se
acomoda, se ajusta à nossa visão do mundo, visão que aprendemos a ver.
Sabemos que nos transformamos nas nossas convicções. A realidade não é outra coisa que o efeito
das crenças alimentadas profundamente em nossa consciencia. Do modo como vemos, é essa a forma atraves do qual criamos o contexto da vida, o nosso contexto, a nossa realidade.


            A realidade, portanto, se adapta aos limites do que aceitamos como possibilidade. O nosso passo atesta os nossos limites, desse modo, a realidade é circunscrita pelos limites da nossa visão de mundo. Ou então, o limite não é a realidade, mas a realidade é sempre definida pelo limite da nossa percepção.
Nosso passo nunca é maior que nosso olho. Nos orientamos pela visão do mundo que ensinamos os
olhos a ver, que aprendemos a ver pela visão dos outros que, por sua vez, da mesma forma, assimilaram
de alguem. O meu caminho não é diferente do teu ou de todos. Em se tratando de mundo, vivemos todos
o mesmo conto-do-vigario que é invariavelmente passado de boca em boca, acatado por todos e reconhecido como tal.

                  Tentamos arrumar o mundo dentro do modelo que nos foi passado. Construimos, em nossa mente, uma  realidade virtual feita de imagens em forma de conceitos e ideologias, de coisas que ouvimos
ao longo da nossa vida, e abonando-as por lhes conferirmos credibilidade. As ideias, desse modo, irão constituir-se em unidades basicas atraves das quais construiremos nossa realidade.
      
          Nossa capacidade de criação fica delimitada a esse esboço mental, ao retrato da vida que
aprendemos a ver pelas historias que nos contaram, deixando marcas em nossa alma.
    Ao nos defrontarmos com algo que não se adapta aos nossos registros, os olhos desfocados, ou
melhor, olhos apenas focados em informações pré-estabelecidas, treinados para ver dentro desses
limites, não serão capazes de captar e, muito menos, acolher, admitir ou considerar tais questões.


            Dai nascem as divisões, as disputas, os partidos, as guerras. O que não se adapta ao meu ponto de
vista, não será bem vindo e, invariavelmente, contestado, e, se houver condições, destruido. Um mundo
linear de apenas uma verdade, onde o diferente desloca bruscamente o ponto de equilibrio da fragil segurança interna, reduto definitivo da nossa estabilidade. Os que tem medo tentam, de todas as formas, 
colocar peso aos que se aventuram por outros caminham. Em sua mediocridade sentem-se confortaveis e  ficam à vontade num mundo de seres rastejantes. Conviver com o que lhe é semelhante, não perturba sua calma tediosa, seu passo monotono e seu olhar vazio. Ressentem-se ao perceberem o outro num plano
que lhes é inacessivel, imobilizados que estão em sua falta de brio, de peito e autonomia.  
     
            Para onde se dirige o escravizado pela opinião alheia ?  Quem não se valer por si proprio, não 
encontrará no mundo os caminhos da sua redenção, já que tudo vem de si mesmo, em estado de solidão.   
    
            Criam-se clãs, grupelhos, ligas, associações, todos partidarios das mesmas ideias para todos
quantos não as possuem  por si proprios. O grupo é sempre o ultimo refugio para toda fraqueza humana.
A força que vem do outro é a expressão mais fidedigna da falta de força.  


       Ao ver, não vemos o que está aí, pois nos acostumamos tanto à miragens, à visões equivocadas
que não reconhecemos mais a realidade em si. Sofrimento é isso, os fatos não se ajustarem ao nosso
conceito de realidade. 
                                     Os olhos estão adaptados ao cenario de sempre, que se torna quase
impossivel libertar a visão para outros cenarios e abrir janelas para outros mundos. Quando olha para
fora as possibilidades que passam diante sua vista são tantas mas, ao mesmo tempo, impossivel de serem
detectadas em função da acomodação visual. Não é possivel perceber fora sem uma ancora interna.
Assim, o mundo percebido é aquele que se adapta às  possibilidades, ao que parece possivel. O mundo
é uma maquete construida em função das premissas das nossas crenças. A realidade segue o padrão
das linhas da estrutura pré-moldada do que ouvimos de como a vida deveria ser. O que aprendemos
a ver, é isso que veremos em nossa realidade de vida, mesmo que os olhos mostrem outra coisa, a visão
se adapta ao modelo pré-formado internamente. 
            O externo tem de se adaptar ao desenho de como aprendemos a ver o mundo, esse mundo
informado, passado de boca em boca. A imagem que faz de si encontrará fora, na construção da sua realidade. Voce se verá nas suas coisas, no sucesso ou fracasso, sofrimento ou prazer. 
   O mundo sempre se adapta à sua visão de mundo. Assim como acha que é, assim será. Sempre !


               Quando olha pela sua janela os olhos enxergarão a visão interna, pois o de fora tem de se acomodar ao modelo pré-arquitetado de como o mundo deveria ser. O olho não é independente, não
tem autonomia  para ver por si proprio, pois está condicionado por padrões anteriores que irão
determinar o limite do campo visual.
     O mundo que passa diante da tela dos seus olhos, não é outra coisa que a projeção de um mundo conhecido, criado mesmo antes de voce estar aí.
  Permitir liberdade aos olhos é a condição para descobrir um mundo novo, uma realidade nem sequer
sonhada ou então imaginada. Os olhos podem olhar para dentro do tedio ou para um infinito numero
de outras possibilidades. 
                                        Não é possivel mudar a linha de visão quando se está acomodado e aprisionado
à visões e condicionamentos de um treinamento passado.
Foi lá que ouvimos falar da vida, historias que se inscreveram em nós como linhas de um mapa. Ouvimos
atentamento, e, a partir de então, elaboramos uma imagem, uma gestalt, uma estrutura do que seria a
vida. Curiosamente ( curiosamente ? ) o mundo que mais tarde iriamos criar, não seria em nada dessemelhante à imagem visionaria de então.


          E como quebrar o encanto ?  Como romper a ordem estabelecida internamente e destruir  o
mundinho dentro do qual estamos escondidos, tentando nos presenvar de todos os perigos que nos
fizeram crer e aos quais nos resignamos ?
   A visão é determinada pela socialização, pela voz de todos que não é a voz de ninguem.
O que percebemos com os olhos nos passa a ideia que o mundo é do jeito que é percebido. Essa percepção cede à medida que o dialogo interno começa a ceder. O que falamos internamente é o que vemos no mundo, a confirmação desse falatorio.
       Desse modo, a ideia que se tem do mundo é determinada pelo que a cabeça nos diz a cada momento
sobre qualquer aspecto.
      Aquilo que fala na cabeça cria a ordem do mundo. E para manter essa realidade tem de manter a ideia
do mundo como um dialogo interno. O silencio na cabeça é um subterfugio pois cancela a visão do mundo, a ideia que faz das coisas.
                                                O silencio da cabeça.... cancela a visão do mundo.... que altera nossa
realidade.
 Afinal, não é isso que buscamos com tanto esforço e insistencia ? 
 Não vale a pena dar
uma olhadela e experimentar.... silenciar a cabeça.... cancelar a visão..... ?

























quarta-feira, 4 de julho de 2012

O FALATORIO DA CABEÇA É A MATRIZ DA REALIDADE


                É um assunto realmente intrigante esse de silenciar a matraqueação dentro da nossa cabeça.
Quando nos informam que as mudanças pelas quais a pessoa passa, após ter conseguido essa disciplina mental, serem verdadeiramente surpreendentes, a gente se pergunta porque esse fato é tão determinante   para causar tanta mudança e modificações significativas na nossa vida.
   
            Porque será que o pensamento produz tanta confusão, tumulto e anarquia, enquanto essa estrutura
psiquica não estiver sob nosso controle, sem redeas, sem disciplina e sem ordem ? Pelo que se depreende, ao estudar o assunto, que está atrelado a isso a qualidade de vida de uma pessoa. Então, não é pouco. E é
por isso que vale a pena olharmos com mais atenção para o fato e, desse modo, usufruirmos os segredos, uma vez desvendado o misterio.


                O mundo de cada um se faz a partir daquilo que falamos para nós mesmos do que a vida é.
Existe um monologo interno, ininterrupto, sem treguas, como o giro interminavel de um disco, que repete, a cada instante, incessantemente o mesmo conteudo.
                   As coisas que ouvimos dos nossos pais e de todas as pessoas com quem convivemos, amigos,
vizinhos, mestres, religiosos, nos causaram uma impressão, nos impressionaram, deixando dentro de nós
um registro, uma marca imanente em nosso campo de energia. Por nos terem sensibilizado, ficou em nós como uma verdade, dando-lhe credito absoluto. 
                                    Ouvimos falar sobre dinheiro, ser bem ou mal sucedido, sobre confiança, relacionamentos, casamento, enfim, sobre qualquer aspecto da realidade de vida de uma pessoa. Construimos dentro de nós um mapa de como a vida é, e será com esse mapa que iremos percorrer os
caminhos da vida. 
Aquilo que ouvimos ontem, a cabeça continuará  reproduzindo conforme esses registros. E a descrição do mundo que nos foi passada, e aceita como certa, nos obriga a viver dentro dentro desse traçado, nos obriga a viver a imagem que aprendemos a visualizar na representação.
              Isso ocorre a todos nós, de um modo ou outro, até o momento em que conseguir se libertar
da hipnose da informação. Quando ? Quando estiver contra a parede, ou na corda bamba, ou com
uma espada balançando sobre a cabeça.  Esse é o momento, o momento da desilusão, do desencanto, quando as "verdades" falharam, quando aquilo  que aceitou até então, não conseguir te resgatar
de um sofrimento supremo, um momento de vida aparentemente sem alternativas e sem saidas.


       Será nesse momento que faremos um inventario, um levantamento das diretrizes que nos orientaram
até então, das nossas verdades de segunda mão e nos reorientarmos em termos de nossa vivencia,
conforme escolhas pessoais, atraves da nossa experiencia e da nossa visão de vida.
    Estaremos então em condições de ver o mundo atraves dos nossos olhos e não mais atraves daquilo que
ensinaram os olhos a ver  o que a vida seria.


                     O que depreendemos da vida é, rotineiramente, a consequencia do que nos foi informado.
A descrição que nos passaram, por ter sido aceita, se transformou em modelo, em matriz, em prototipo de vida. Sem questionamentos de avaliação, sem duvidas ou julgamentos. Consentimento passivo. Cheque assinado em branco. A vida que vivemos, é a vida que nos foi retratada, o esboço que nos foi repassado e
e acatado cegamente com submissão inquestionavel, concordancia silenciosa. A nossa realidade é a imagem que nos foi mostrada, que aprendemos a ver no espelho dos nossos cuidadores. O que nos falaram, não contradiz sua propria realidade. Falaram por experiencia, experiencia que foi criada atraves de 
simples informações que lhes foram tambem transmitidas. Simples assim e sem segredos.
             Sustentamos dentro de nós a descrição que nos foi passada. Um mundo informado que aceitamos
inocentemente e, mais tarde, defendemos de um modo inconsequente.
Se tivessemos sido informados por uma descrição diferente, nossa realidade seria tambem outra. Desse
modo, a realidade se amolda, se concilia a essa descrição que nos foi feita de como a vida seria. Assim,
o mundo individual e particular de cada um é uma representação, uma imagem que aprendemos a visualizar, lhe dando total concordancia. O que vivemos se adapta em perfeição ao esquema do mundo que nos foi passado. Nada mais que isso !
                         A realidade de cada um é o reflexo dos registros armazenados em nossos arquivos,
registros que se transformaram em rotas de viagem, em mapas de orientação. Portanto, a realidade de vida
não é determinada por escolhas pessoais ou uma opção individual, à medida que persistirem as imagens
do mundo ainda retidas na retina de historias ouvidas descrevendo o mundo.

               Nosso equivoco  é insistir em permanecer em roteiros monotonos, sem graça, tediosos mas
convevientes. Levamos a vida tentando nos convencer por explicações racionais e não pelo aprendizado que as ações possam nos revelar. A verdade não será descoberta atraves da mente, pois ela apenas
repete o que ouviu, o que armazenou nos seus arquivos. 

        Assim sendo, limpar arquivos, deletar memorias de informações passadas, é, antes de mais nada,
silenciar esse movimento interno, o falatorio infernal dentro da nossa cabeça, que repete, sem parar,
de como a vida é e do que somos, afinal. Sem a interrupção dessa tagarelice obstinada e constante, não há
como nos livrarmos do modelo de mundo que nos foi informado, e, desse modo, alterarmos nossa realidade, pois o fluxo dos acontecimentos é determinado  por essa descrição, e não por aquilo que
desejamos ou sonhamos atraves do esforço ou da vontade.
    Sem desfazermos esse molde que foi elaborado pelas "verdades" que ouvimos, mudanças são de todo
impossiveis. Pois o que ouvimos, a cabeça continua a falar, reafirmando a cada momento o  mundo que
conhecemos e a realidade que vivemos. Valida aqueles parametros, dando, desse modo, forma e
acabamento ao mundo criado dentro desse  modelo, que transcende nossa vontade e determinação.

                Queremos uma vida diferente, com menos sofrimento, menos preocupações, menos
angustia, nos esforçamos, lutamos de todas as formas, mas quanta decepção !
O que queremos conscientemente se opõe ao que nos foi informado pela descrição que nos foi
passada de como seria viver essa vida. Nos registros desses arquivos se encontra a crença nas dificuldades,
no fracasso e no não merecimento. E esses registros são anteriores à nossa boa vontade atual no
sentido de levar uma realidade diferente.
                        E é atraves do silenciar o monologo da mente que aquelas informções serão deletadas.
A realidade se arquiteta ou atraves da repetição do que ouvimos, desse que fala sem parar na nossa
cabeça, ou dando stop a essa conversa fiada, e a partir dai, reorganizar a vida, em movimentos de
ordem e equilibrio, paz e prosperidade.
              A vida não é isso que a cabeça nos informa. Mas não nos damos conta desse movimento
mental, que se faz subliminarmente, de um modo silencioso, não percebido a nivel consciente. Não é
percebido, mas não é por isso que deixará de fazer o estrago que faz. As informações registradas se
fazem realidade por si proprias, enquanto o movimento continuar, enquanto a cabeça continuar a ditar
e repetir os seus registros.
                             Sem o pensamento, o mundo que construimos atraves do pensamento, tende a ruir e
se desfazer. É por isso que há uma sensação de mau estar, de inquietude quando silenciamos a cabeça.
Afinal, o meu mundo é o mundo que conheço, e, por pior que seja,  é isso que conheço. O desconhecido
impõe medo. A destruição do meu mundo, em verdade, não é o mundo construido pelas minhas escolhas,
opções conscientes determinadas por mim proprio, mas uma triagem elaborada por todos quantos
fizeram parte da minha vida e me influenciaram com seus dogmas e postulados de vida. Por sua vez,
essas pessoas tambem foram influenciadas e não conseguiram se libertar do sequestro das informações
recebidas à sua vez.
                    A historia se repete até não se repetir mais.
       Até o momento em que a cabeça se aquieta, silencia, dando passagem à  vida, para que a vida,
por fim, possa se manifestar em sua gloria e esplendor, fluindo atraves de cada um, como verdadeiros
canais de sua expressão.
         
        Honrar a vida não seria isso, permitir a nós mesmos sermos um caminho livre e fluido
 para a vida poder se manifestar em exuberancia, intensidade e entusiasmo ?