domingo, 20 de dezembro de 2015

CASARÃO COM MUITAS JANELAS


O cidadão tinha uma casa imensa,
com tantas janelas,
que não lembra de todas
algum dia já terem sido abertas.

 - Porque tantas janelas ? 
 - Tambem não sei bem ao certo, senhor.
Talvez porque estivesse com medo de ficar com falta de ar.
 - Ao menos conseguiu isso - ficar sem falta de ar ?
 - Sabe, não sei se foi por castigo, ou por tanta ganancia (de ar ?),
estou morrendo sem conseguir respirar.
 - O que se passa ?
 - O cancer tomou conta do pulmão, e apesar de tanto ar, 
entrando por tantas janelas,
mesmo assim, vivo em constante asfixia.

Quedou-se então silencioso, olhar perdido à distancia,
tentando, quem sabe, encontrar razões
para tanto sofrimento e desgraça.

Possivelmente esteja se dando conta, afinal,
que não era do ar que tinha que cuidar,
porque o que nos é dado em abundancia
não pode nunca escassear.

Esqueceu de ocupar-se do corpo, do pulmão,
das ideias distorcidas,
enquanto vivia para o reconhecimento, 
a notoriedade e a ambição desmedida.

Acumulou muito,
tanto quanto as janelas do seu casarão.
Mesmo assim morreu acabrunhado,
constrangido e infeliz.

Apesar das tantas aberturas
mesmo assim perdeu a vida
simplesmente por não conseguir respeirar. 



sábado, 28 de novembro de 2015

UM SABADO DE CHUVA


Manhã de sabado.

Chuvinha miuda, suave, silenciosa,
como se fosse uma manhã invernal,
mesmo assim,
apesar da garoa umida,
do chuvisco em forma de neblina,
 não fazia frio.

Protegi-me com um impermeavel,
pois estava determinado
a esticar as pernas,
numa caminhada festiva,
independente das condições do clima.

Assim, mesmo com a chuvinha miuda,
que caia silenciosa,
fininha,
em camara lenta,
fui caminhar ...
de guarda chuva.

Nunca antes havia caminhado,
protegido por um guarda chuva,
numa manhã de sabado
com uma garoa furtiva. 

Foi romantico.
Uma balada poetica,
com rima em forma de bruma,
versos elaborados
na cadencia do passo,
e no pulsar do coração.

A manhã era de sabado.
Sabado de chuva.
Chuvinha parecendo inverno.
A caminhada.
O guarda chuva.
E um respeitoso sentimento de gratidão.


domingo, 28 de junho de 2015

PORRA, AGORA QUE ESTAVA A FIM ... SEU MERDA !


   "Alguem me ajuda, me solta, socorro ",
berrava a moça, enquanto era imobilizada
pelos braços musculosos do intrepido agressor.

Se contorcia, protestava, se debatia com toda força
que seu corpo lhe permitia,
tentando desvencilhar-se do inoportuno patife.

Mas ele a mantinha neutralizada, presa pelas costas,
apertando-a com energia contra seu proprio corpo,
como uma fera selvagem agarra sua presa
antes de transformá-la em sua refeição.

Ela conseguia sentir o odor carregado do corpo dele,
como nunca antes havia sentido o odor de outro homem.
Não era um corpo perfumado com artificios cosmeticos,
mas era o cheiro da natureza bruta,
assim como cheira o corpo de um homem 
sem os disfarces da perfumaria.

Alguns minutos mais tarde,
aos poucos foi diminuindo seu impeto,
não opondo mais tanta resistencia,
pois já não havia mais força disponivel
para continuar sua luta impetuosa.

Foi então, num tom lamentoso, 
quando as lagrimas renunciaram aos protestos,
que implorou pela sua liberdade,
que a deixasse ir,
e não lhe fizesse qualquer maldade.

Estranhamente, de todo inesperado e imprevisivel,
o marginal foi diminuindo a força
com que mantinha a moça presa,
até soltá-la por completo.

A moça permaneceu imovel como se esperasse
o proximo ato do seu algoz.

Ele tambem manteve-se quieto, 
braços caidos ao longo do corpo,
respiração tranquila,
como quem está no controle da situação,
cochichando por fim em seu ouvido :

- Pode ir embora, moça.

Enquanto isso, deu um passo para tras,
deixando o local do delito,
sem exigir-lhe qualquer recompensa ou retribuição.

Ela porem, impetuosa e impulsivamente, declara,
de punhos cerrados, em sinal de indignação
e clara frustração :

- Porra, agora que estava a fim ... seu merda !

Enquanto isso, o malandro já ia longe,
indiferente aos reclamos desesperados 
da excitada senhorinha.

Existe com frequencia
um comovente sim
frente ao resoluto não da mulher.

Nada de mal nisso.
É o jogo da sedução.





sábado, 4 de abril de 2015

O MONOLOGO ESPERTO DA RAPOSA.


A raposa estava presa na armadilha
em que havia caido na noite anterior,
procurando por algum alimento.

Achava-se encolhida na sua trapeira,
enquanto esperava seu destino ser decretado.
Nunca se vira numa situação parecida,
mas bem que presumia,
os ventos não lhe serem favoraveis.

Não havia nada que pudesse ser feito
que não fosse simplesmente esperar.
E enquanto esperava por sua sorte,
manteve um monologo silencioso consigo mesma,
a cerca das vicissitudes da vida.

Não podia compreender as razões por ser assim perseguida,
quando outros animais são feitos de estimação,
amados por todos, pelos mesmos que querem destrui-la.

Não sentia-se bem vinda, ou admirada nesse mundo de deus.
Alias, nunca soube de um caso sequer 
em que uma raposa tenha sido domesticada. 
Sua raça sempre fora renegada, alem de perseguida com crueldade. Por isso tornou-se uma criatura da noite, vivendo nas sombras,
com extrema austeridade.

Não era capaz de compreender sua sina, 
objeto de tanto odio e discriminação.
Seria talvez por seu focinho alongado, sua pelugem aspera,
suas perninhas curtas, ou, quem sabe, devido sua coloração ?

Veio-lhe então à mente uma indagação singular.
Haveria tambem entre os humanos,
gente que carregasse o mesmo estigma que ela ?
Excluidos e descartados assim como sua raça ?

Ficou pensativa, refletindo sobre o fato.
Não poderia nunca sabê-lo ao certo, 
mas a desconfiança repercutia nela como quase certeza.

Imaginava que aqueles que odeiam raposas,
devem, com certeza, odiar outras coisas mais,
pois o odio é sempre seletivo. Ao que se tem hostilidade 
lá fora, deve, provavelmente, ligar com algo interno
equivalente, embora ainda não percebido.

Sentia-se animada com suas ilações subjetivas, com sua 
lucidez e genialidade, considerando-se, sem vaidade,
uma raposa brilhante.

Especulou que o feio que se despreza fora, 
não deve ser diferente de alguma feiura interna.
Toda retrato, tem sempre seu negativo.

A raposinha cativa estava perdida num mundo de abstrações,
tentando entender as malquerenças que a brutalizam,
assim como o desamor que apequena outros tantos. 

Em parte ficou satisfeita, pois compreendeu que o desprezo
que sofre, não é, provavelmente, nada pessoal.
Não é odiada simplesmente por ser raposa,
mas porque existe uma "raposa" interna, 
naqueles que a odeiam. 

Menos mal, pensou, mesmo assim doi.

P.S.  Mais tarde o bichinho foi solto,     
        em algum espaço mais seguro.
        E enquanto desaparecia por entre o matagal, 
        sentiu-se realmente feliz, afinal, não havia virado defunto, 
        mas em especial por ter vislumbrado algo
        sobre os labirintos obscuros, que envolvem as emoções 
        da criatura humana.
        Sentiu-se então abençoada por ser simplesmente uma raposa.

sábado, 28 de março de 2015

O MONSENHOR E SUA CARRUAGEM DOURADA


Vivemos tempos confusos.

Há aqueles que, por dever do oficio,
tem a função de doutrinar, 
capacitando seus crentes para virtudes mais nobres,
como humildade, sobriedade, reverencia, 
para um viver mais solidario e cristão.

Mas com sua ostentação humilhante, 
onde tudo não passa de vaidade, 
com eloquencia no palavreado, 
destituido, no entanto, de qualquer significado.

Qual o ensinamento biblico que passam,
os ilustres pastores de Deus, 
com sua egolatria, soberba e ostentação ?

Seguramente, não estão possuidos pelo Espirito Santo,
possivelmente, sim, por alguma entidade maligna,
pois não conseguiram livrar-se das tentações do demonio.

Os tempos são confusos, e a multidão catequizada
por aqueles sem vivencia alguma que seja viver,
ter familia, obrigações, contas para pagar, filhos para criar, 
horas extras, bater cartão, pagar impostos etc etc.,
pois vivem pelo patrocinio da caridade alheia,
sem qualquer compromisso com as dificuldades do cotidiano.

Pregam a humildade, a modestia, a virtude, a simplicidade,
mas humilham com sua ostentação, soberba e afetação. 
Evangelizam com homilias solenes,
mas tudo não passa disso : simples cantilena, onde o exemplo
passa ao largo, onde  "faça o que digo, mas não o que faço"
aplica-se aqui com justeza.

Enquanto isso o monsenhor é conduzido 
em carruagem dourada,
ao som de canticos sagrados, para divindades novelescas,
simples fantoches de um sistema hipocrita.

Ninguem necessita de um atravessador para chegar a Deus.
Não me parece que a divindade seja afeto à vaidade ou
pernosticismo, necessitando de algum ministro 
para Lhe ter acesso. 
Seria assim tão seletivo e pomposo,
qual seus aristocraticos representantes ?

Nesses tempos confusos, no entanto,
tudo o mais pode ser possivel.

Lamentavel ! Tristemente lamentavel !

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

" DEVE SER VIADO ..."


Sentadas à beira mar,
as duas moças conversavam animadas.
O alarido era intenso, como se ali houvesse
um mundo de gente,
e não apenas duas moças conversando. 

Das duas, a mais alta, era mais apessoada,
sua beleza mais chamativa,
seu charme mais evidente,
seu corpo mais bem definido.

É sempre mais seguro a bonitona
fazer acompanhar-se pelas menos elegantes,
pois o contraste evidencia melhor sua beleza.
De certa forma, a competição diminui,
sentindo-se assim mais confiante.

Mas foi a menos charmosa a aventurar-se,
enquanto o moço elegante por aí passava.

Levantou-se da cadeira,
fez menção de apanhar qualquer objeto,
inclinou-se para frente,
deixando exposto um mundo exotico
de desajuizadas fantasias.

O moço, porem, passou imperturbavel,
alheio à encenação maljeitosa.
E o esforço da mocinha sonhadora
acabou em vão, não dando em nada.

Recolheu-se triunfal, apos a passagem do malandro,
supondo ter acontecido.
Mas, assim que sentou-se,
a outra não foi de perder tempo  :
- Sabe, ele nem olhou.

Não quis dar credito às palavras da amiga,
mas pelo jeito dela, reconheceu a verdade.
 Ajeitou-se na cadeira, impaciente,
sentindo-se humilhada pela desatenção do moço,
ao mesmo tempo ridicula por sua tola exibição.

Mesmo assim, não podendo conter a frustração,
 murmurou entre dentes para si mesmo :
 "deve ser viado, o desgraçado".

 ... misteriosos são os caminhos da sedução.
Se o muchacho tivesse cedido à tentação,
talvez fosse insultado como tarado,
como não cedeu à cantada, virou "viado".

Eu, da minha parte, que tambem passava por aí,
prossegui  tranquilo minha caminhada,
enquanto o moço elegante já ia longe.

O mar continuava lindo.
Uma pandorga flutuva no ar,
fazendo travessuras,
por entre um bando de garças e gaivotas
que por aí tambem passava nesse momento.

De qualquer forma, a vida é cheia de graça !

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O MAGESTOSO PALACIO


Impotente, monumental, magestoso,
obra prima da mais perfeita e talentosa arquitetura. 

Luxo, espaço, conforto,
nada que pudesse desprestigiar
o esplendor, a pompa e a suntuosidade
do imponente Palacio.

Os mil e um aposentos, com suas milhares de aberturas,
tudo perfeitamente ordenado,
conferindo à habitação e ao seu ilustre proprietario,
ostentação, alem de aconchego e segurança.

Algo estranho, porem, rondava o interior
das suas deslumbrantes dependencias.
Embora a criadagem estivesse a postos,
não havia ninguem, aparentemente, para servir.

Porque estaria ausente o ilustre senhor,
não exercendo dominio sobre seu deslumbrante imperio ?

O magestoso palacio, dos mil e um aposentos,
e  das milhares de aberturas,
era, todavia, num cubiculo estreito,  
sordido, desconfortavel, sombrio
onde vivia confinado o ilustre senhorio.

Não era refem de qualquer inimigo,
pois mantinha-se aprisionado  nessa masmorra,
unicamente por desconhecer o segredo
de como livrar-se do seu carcere.

O palacio inteiro lhe pertence,
o conforto, o luxo e a abundancia estão disponiveis,
mas para usufruir desse universo,
terá que libertar-se da cela imunda,
onde aprisionou-se por vontade propria.

Existe uma abertura
no suntuoso palacio da vida.

Uma vez superado o embaraço,
aí tomaremos posse
do que verdadeiramente nos pertence.

Gire a maçaneta,
abra a porta,
liberte-se,
o palacio inteirinho te aguarda.