terça-feira, 1 de novembro de 2011

O FETINHO QUE QUERIA NASCER

"Maria, meus parabens, voce está gravida", lhe anuncia seu obstetra apos verificação de exames.

Essa voz, essa noticia retumbou dentro dela num turbilhão de pensamentos, de emoções amplificando todas suas dificuldades, sofrimentos, todo seu sufoco : "um filho ainda pequeno para cuidar, dinheiro escasso, relacionamento com o marido nada bom, já sem significado, tanto cansaço... tanto problema... e agora mais um nenê...

E ela ficou nesse transe perdida em seus pensamentos, nesse sentimento de
frustração, de desesperança, de decepção e desalento. Ficou em silencio mas a confusão em sua alma era barulhenta, de muita agitação e de extrema desordem.

... e nesse momento... o que sente nesse momento quem está vindo aí, e sendo, aparentemente a causa do transtorno da mamãe ?

"Voce me pergunta como me sinto ?" "Não foi diferente em mim o que mamãe sentiu em seu coração sofrido. O desespero dela tambem tomou conta de mim, como se fosse um eco profundo, se amplificando em ondas.E a partir de então tambem não tive mais paz... nunca mais ".

"E foi nesse momento que tomou conta de mim um sentiemento estranho
que eu não conhecia ainda ( parece que vou me descobrindo atraves do que sinto, me guiando, me sabendo, e do mesmo modo descobrindo e conhecendo mamãe tambem ). "Sabe, mamãe está aí, eu estou dentro dela, mas eu não sinto ela dentro de mim. Eu sinto que fiquei só, pois a vida dela lá fora colocou um vazio, uma distancia muito grandde entre nós dois.
"Voce acha que o meu medo, esse medo enorme que me possui por inteiro, todinho vem de onde ? É por isso que estou escondido aqui, bem no fundinho,
exprimido o quanto deu ( ainda consegue me ver ?), para me sentir mais seguro, um pouco menos desprotegido.

"Sabe, (como é mesmo o teu nome ?... ) a verdadeira orfandade não é quando se perde a mãe de verdade, quando ela se vai com a morte, mas quando ela ainda está aí, e não consegue dar o que a gente precisa para não se sentir orfão, abandonado, sozinho e sem proteção.
Sabe, essa dor doi muito. Esse luto é muito mais sofrido que o luto da morte de verdade, quando enfim a pessoa não está amsi aí. Ela está aí, mas
não consigo alcançar seus braços, sua voz silencia, seus olhos estão turvos,seu coração está frio, igualzinho ao frio que estou sentindo... e quanto medo !"

"Quando a gente não é visto, quando a gente não é sentido, tem-se a impressão de virar fantasma. Sim ... está certo que sou ainda bem pequenininho, mas nem por isso sou fantasma, não é mesmo ? Voce tambem pensa assim ? "

Nesse momento, tenho a estranha sensação de que não existo. Não... não é porque meu corpinho ainda não é, mas porque me sinto tão sozinho, solitario, ninguem comigo. E voce sabe como resolvo isso dentro de mim ? Eu penso : se consigo sentir medo e esse frio congelante, é porque devo existir, mesmo que mamãe não consiga me sentir. Como vê, já tenho meus enigmas para resolver, porque, se não achar as respostas, não há como ir adiante.

"Voce não me acha valente ? Alias... voce está me ouvindo ainda, ou será que estou falando sozinho outra vez, como sempre... "
Sim, eu estou aqui... estou aqui.
"Obrigado por ficar comigo ! Sabe, ( esqueci teu nome. Desculpe, deve ser por causa do medo... )
OK, tudo bem.
"Sabe, de vez em quando me sinto como se estivessemos sentados em bancos separados. Exatamente eu que preciso de tanta proximidade ! Porque será que
mamãe sentou tão longe de mim ? Mamãe, porque não senta comigo ? Porque sentou naquele banco onde não posso te alcançar e onde não podes me ver ?
Porque essa distancia, mamãe ?
Porque tua mão não me alcança mais ?

"Como podes ver, eu fico falando mas mamãe não me ouve. É esse vazio, essa distancia... o frio... o medo... Que horror !

"Voce, posso saber quem é voce que está aí falando comigo ? Porque está olhando para mim ? ( aliás, ainda consegue me ver ? eu tive de me fazer bem pequeno por causa do medo, pois quando se é pequeno assim, quanto menos se é visto, mais seguro a gente se sente ).

"Sabe, eu corro dentro desse meu pequeno espaço, como um maluquinho para ver se encontro mamãe, para ver se encontro uma ponte e assim alcançá-la. Eu preciso tanto dela !
"Não era assim lá de onde eu vim. E não me falaram de nada disso, desse terror, dessa solidão, desse silencio ! Eu não sei o que deu errado. Voce sabe ? Afinal, não era para ter sido assim !

Enquanto isso Maria tambem corre como uma doida de lá para cá para dar conta dos compromissos, de tantas dificuldades, apuros, tambem sem saber o que fazer para se sentir melhor. Seu medico lhe falou que seu nenê precisa da sua paz, da sua alegria para que possa se desenvolver bem, crescer normal e se sentir bem na sua barriga.
Ela chora em silencio. Ela tenta, vai até seus limites, não lhe falta coragem, boa vontade mas os muros são altos, as paredes são grossas...

Então o fetinho começa a fantasiar. As fantasias lhe trazem um certo conforto, alguma esperança. "Quando sair daqui vou me virar, não irei mais depender de ninguem, esperar pelos outros para me sentir bem e não ter medo. Vou crescer ligeirinho, vou aprender a cuidar de mim, e vou mem virar, voce vai ver. Afinal eu sou um serzinho valente. Voce concorda comigo ?
"Quando crescer não vou mais sentir medo nem frio. Não quero mais me esconder como faz o ratinho da toca que olha o mundo com um olhinho só.
"Será que o ratinho irá sentir mais medo se olhar para fora com os dois olhinhos ?
"Sabe, eu compreendo bem o sentimento do ratinho da toca, afinal, somos tão parecidos !

"E voce... voce também sente medo ? tambem se esconde, assim como o ratinho e eu ?...

Enquanto o fetinho continuou a falar, fazendo perguntas, me questionando na tentativa de me chamar de volta para o dialogo, eu tambem fiquei pensando nos meus medos, apesar de já estar bem crescidinho, e percebê-los aí, fazendo fila, tantos deles, tantas vezes.

Me deu vontade tambem de gritar "mamãe ", aquela vozinha que ainda ecoa fundo no coração e nas celulas de todos nós escondidos em tantas tocas,
a procura de tantas respostas diante de tantos muros altos com paredes bastante grossas...


um vazio muito grande, uma distancia enorme entre nós dois

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