quarta-feira, 26 de outubro de 2011

OLHAR PARA TRAS CONGELA O PASSADO

O que acontece com a nossa energia quando somos sequestrados nas malhas
do passado, quando nos perdemos nesse olhar nas coisas que já foram mas das quais não conseguimos nos libertar ? Quando o passado não passou, existe possibilidade de viver esse momento, estar nisso que está agora aí ?

A sra Salomé se transformou em estatua de sal quando foi aconselhada a não desviar o olhar para trás, mas mesmo assim o fez. O sal tem a função de dar gosto, mas tambem de não deixar ir o que não é para conservar. Salgar o passado faz com que se preserve, que se mantenha presente.
E deslocar-se para eventos desagradaveis de ontem, lembrando-os atraves de emoções negativas, entristecendo-nos ou nos tornando ressentidos, gera energia
que irá manifestar-se em nossa vida. Essa energia de baixa frequencia irá determinar uma desconeção com nossa essencia. Perdemos o conteudo do que somos, esvaziando-nos cada vez mais, nos distanciando e nos tornando cada vez
mais estranhos, perdidos em mundos dos quais não saberemos como retornar.
Será então a doença, ou qualquer outra tragedia, à nossa revelia, que nos colocará diante de nós mesmos. Entorpecidos pelo passado, teremos enfim que
retornar. E esse retorno geralmente causará grande confusão.
Então o grande questionamento : "o que foi que aconteceu ?" Fomos atingidos
severamente, mas não temos ideia de que lado veio o coice e muito menos do seu autor. Estamos confusos, porque não somos capazes de compreender que o sofrimento não é outra coisa que a consequencia do nosso desequilibrio, do desencontro conosco mesmos ao perdermos esse momento indo para o passado.

Dores, tensões, sofrimentos são os mensageiros batendo à porta,
às vezes com bastante força, para nos acordar do pesadelo do esquecimento de
quem somos. A dor do corpo é apenas a expressão fisica do que realmente sofremos dentro de nós mesmos. É a tradução da perda da orientação, da fuga da rota, do quanto estamos sem rumo. Doença é muitas vezes correção de rota, pois temos ainda muita dificuldade de nos orientar por sinais sutis emitidos
pelo nosso mundo interior.

E uma das grandes tragedias da ciencia, é separar o nosso corpo do nosso psiquismo, separar a dor fisica do que realmente doi em nós. A doença acaba sendo vista como um parafuso que se solta que tem de ser reparado ou então trocado em função dos avanços tecnicos da ciencia.
Entretanto, o sofrimento do corpo não está desvinculado da dor da alma. E pelo fato de ficarmos muito focados no sintoma, na fisiologia, na celula, ficamos impedidos de ir ao encontro da causa real de todo o sofrimento.
E sem compreender o homem na sua totalidade psico-fisica, não conseguiremos
descobrir as verdadeiras razões do seu sofrimento.

A paciente tem 47 anos e começa o seu relato me falando dos seus transtornos fisicos. Me fala das suas dores. "Dr, me doi por tudo".
"Falto ao trabalho por enxaquecas terriveis, muita azia, fogo que me queima
por dentro. Muita fome, não consigo parar de engordar ( 12 kg em poucos meses). Tireoide está alterada, a pressão está alta, e o intestino não vai bem. Recentemente queda de cabelo. Tomo remedio para dormir e de manhã tomo
outro para poder passar o dia com dignidade. Colesterol alto, glicose tambem subindo". Me falou de unha encravada, de micose de pele, e recentemente o diagnostico de cancer de mama. "Dr.,a biopsia deu que é maligo".

À essa altura, já falava por entre lagrimas. Continuava a falar mas as lagrimas rolavam pelo rosto enquanto tentava se colocar.
"Dr., sinto muita tristeza. Outro dia tive uma ideia que me assustou ( me assustei, não foi pela ideia em si, mas pela minha reação à ideia ). Meus dois
filhos já são grandes ( 18 e 20 anos ) e ninguem mais precisa de mim. Não faço falta para ninguem e ninguem mais já se importa comigo..."
Parou de falar, não completando a frase, mas dando a entender o sentimento de desistencia, de retirada, de derrota, e de que nada mais valeria a pena.
Ficou em silencio alguns segundos, cabeça baixa, lagrimas continuando a descer
pelo rosto. Por fim tentou se ajeitar, pegou um lençinho para secar o rosto,
levantou levemente a cabeça e entre um sorriso desajeitado pediu desculpa.
E continuou. "Vou para festas mas ninguem me nota. Me arrumo, tento me deixar bonita, atraente, tento agradar, mas sempre acabo sozinha, e não vejo a hora de cair fora de fininho para que ninguem note que fui embora. Sabe, não quero desapontar, não quero decepcionar...."
Depois me falou da separação. "Sabe, Dr., eu não podia fazer ideia de como é ruim não ter compania. Quando era casada, o relacionamento não era bom, mas havia alguem ali, havia pelo menos alguem com quem brigar. Por mais incrivel que possa parecer, aquela epoca era melhor. Havia ao menos uma familia. Eramos uma familia. A gente se sentava à mesa, todos juntos para comer, assim como faz uma familia. Hoje não sento mais para comer. O filho está trabalhando, só volta para casa à noite. A menina está com seu namorado e nem sei onde come. Aliás, faz tempo que não fala comigo. Ela me culpa pela separação, e faz questão de deixar bem claro que não fui uma boa mãe.
O menino está bebendo e tambem usa droga. Está depressivo, é bipolar. Ele tambem me acusa de ter falhado como mãe, que não lhe dei amor num periodo em que muuito precisou de mim, mas que não estava presente".
E então me fala desse periodo, reclamado pelo filho, em que perdeu, num ano
a mãe e o pai. "Foi duro para me recuperar, para me recompor. Eu amava meus pais, e em tão pouco tempo me vi sozinha. Me sentia bem poder visitá-los, tomar chimarrão com eles, contar minhar coisas, ouvir conselhos. Nós nos sentiamos uma familia. Eu me sentia amada, e eu sentia que eles se importavam comigo. Hoje sei o quanto isso é importante, alguem se importar com a gente.
Isso dá sentido à vida, vontade de viver, de fazer, realizar coisas. Quem se importa com a gente vibra com a gente, torce pela gente, e essa torcida faz bem, dá força, um bom animo. E não podemos decepcionar quem torce por nós, não é mesmo ? E eu sinto que hoje já não há torcida em minha vida, ninguem levanta bandeira por mim, ninguem torce como eles torciam.
Papai e mamãe já se foram, o marido já se mandou tambem, meus filhos... não
há mais familia, mesa posta, um torcendo pelo outro. Ficou cada um por si, e de certa forma, um profundo ressentimento em cada um. Foi por isso que tive a ideia que já fiz o que tinha que fazer, e que não há mais nada pelo qual ficar
sonhando ou torcendo.
Querer eu quero, mas nada dá certo e eu não sei mais o que fazer. Eu não queria morrer, mas viver como estou vivendo, não vale a pena. Não é mais vida.
Não sinto que esteja vivendo. Não está acontecendo nada que me traga alegria,vibração.
No trabalho sou apenas mais uma dentro daquela sala. Faço o meu trabalho, mas sinto que o que faço não irá fazer grande diferança em nada. Tento ser agradavel, simpatica, mas porque será que ninguem me nota, ninguem me percebe e não chamo atenção de ninguem ?"

Parou de falar, baixou a cabeça esperando que lhe dizesse alguma coisa que fizesse diferança no sentido de não desistir e de valer a pena continuar.

O cancer lhe foi arrancado atraves do seu seio doente. Mas a sua doença se chama cancer ? O digno de ser tratado não se encontra escondido na celula que já não funciona adequadamente. O grito da alma já não sabe como pedir socorro, já não sabe como se fazer ouvir. E muitas vezes a morte é o ultimo recurso, para num ultimo momento perceber toda pantomina, o grande engano do movimento da mente.
Não é preciso morrer para ser feliz, mas é preciso compreender como viver
para viver feliz.

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