domingo, 28 de outubro de 2012

O TERRIVEL " MAL DOS SABIÁS "


                          Historias malucas as ouvimos, todos nós, quase todos os dias, vindas das mais diversas fontes, com tematicas de todas as matizes, ora inusitadas, outras, nem tão surpreendentes, mas todas, sem duvida, de uma forma ou outra, nos afetam, comovem, pondo-nos pensativos.

          Historias que tocam, seja por seu aspecto grotesco, sua comicidade, ou então pelo enfoque pungente, angustiante, exemplo das grandes tragedias, sejam elas individuais ou coletivas. Sensibilizam pelo intenso sofrimento que infligem, e, particularmente, pela sensação de desesperança que evocam, mesmo no mais indiferente dos humanos.  

       A tragicomedia humana encenada no palco dos fatos da vida.
A dor na manifestação da tragedia mais execravel, ou  da comedia
mais surpreendente pelo seu inusitado desfecho. 

    Seja pai violando seus filhos, marido vitimando a companheira,
familiares brutal e bestialmente exterminados, tragedias da natureza, onde a coletividade é atingida, ou o ladrão incauto, entalado na chaminé da lareira, gritando por socorro.

       Aterrorizante ou engraçado, seja o fato da natureza que for,  o sofrimento, no entanto, estará sempre presente, dessa ou
 daquela forma. 
                  .....................................

         Parei de escrever e reli o que havia escrito até esse momento.
Fiquei surpreso com o que havia escrito, pois o objetivo a que me havia proposto para essa conversa, não tinha nada a ver com tragedias ou eventos de grande sofrimento. 

      Queria apenas repassar a historia, verdadeira ou não,
( nunca se sabe ), que Ghi Belique, dia desses, havia-me contado. O tema do enredo girava em torno de uma mulher que, praticamente, havia endoidado .... devido aos sabiás.

          Sempre que nos encontramos, não deixo de apreciar seu
senso teatral, seu humor cativante e suas exposições  engraçadas,
ora comicas ou jocosas mas nunca deixando de ter um ar espirituoso e divertido. 

                 E a historia que me conta, é apenas mais uma das tantas historias malucas que ouvimos todos os dias. Contudo, maluquice à parte, no dizer do  amigo, a dita senhora estava à beira da insanidade devido... aos sabiás.

         O raiar do dia era a hora do seu maior tormento, o instante
crucial, um verdadeiro martirio do qual não era capaz de se livrar.
O canto calamitoso, de saudação ao sol, do maldito bicho emplumado.

         Dona Juvencina encontrava-se aos cuidados de especialistas renomados, peritos das mais diversas areas de especialização, que investigavam, com obstinação, a surpreendente morbidade, tentando resgatá-la do seu mal, o intenso sofrimento a que estava sendo submetida.

      Medicamentos de ultima geração haviam sido testados, debates acalorados, exames sofisticados, discussões interdisciplinares, questionamentos a não poder. Por fim, sessões de psico, sono, quimio e radioterapia tambem foram aventados, o mal, no entanto,
se aprofundava dia apos dia, restando pouca esperança  quanto a reversão do caso.

         A terrivel enfermidade foi até catalogada no Codigo Internacional de Doenças como o "mal dos sabiás". A essa altura  havia uma conjunção de forças da medicina high tech, das maiores autoridades globais, tentando debelar o misterioso disturbio da dona Juvencina; a essa altura, ela propria, tambem, não menos afamada,  portadora de tão estranha enfermidade. 

              Ghi Belique, que é por natureza de personalidade um sujeito extravagante e dado a travessuras e provocações quanto  seus relatos, deixou-me tambem curioso quanto a exposição, do excentrico mal sofrido pela dita senhora.

          - Afinal, que desgraça é essa de "mal dos sabiás", indaguei-o
entre nervoso e desconfiado.

         Olhou-me, fixamente, como sempre faz, teatralizando o evento, para dar-lhe importancia, tanto ao evento, como para si
proprio. Seus olhos estavam semi-cerrados, como quem ajusta a visão, para definir melhor seu ponto de vista. Parecia estar olhando atraves de mim. Parecia comico, mas havia emoção no seu relato.
Não havia como não ficar envolvido e tomado por extrema
curiosidade.
                       Verdadeiro ator do suspense, como quem está prestes a revelar a solução de um extraordinario misterio. Por fim, segredou-me, com voz pausada e em tom quase inaudivel, o verdadeiro terror envolvendo a famigerada historia.

         - Sabe como o sucedido foi equacionado ?  ( estava euforico, ele proprio impressionado com seu relato bizarro ).

  "Caçadores de elite". Isso mesmo, caçadores de elite foram importados de um país distante, verdadeiros mestres na arte de tiro ao alvo ....  para exterminar, sem exceção, os possiveis e até improvaveis sabiás existentes. E, foi então  que concluiram, graças a deduções sofisticadas de alta engenhosidade, as eminentes autoridades envolvidas, que, sem sabiás, não haveria cantoria e sem cantoria, o "mal dos sabiás"  seria, então,  definitivamente extinto dos anais da historia da medicina. 

            Uma grande vitoria, sem duvida, para a medicina, com suas
requintadas tecnologias, mas, sobretudo, a tão almejada paz  para dona Juvencina, que, daí por diante, o raiar do dia deixou de ser um  suplicio, um momento de sofrimento e tanta desgraça. 

       Falei que aquilo parecia conto de ficção ou loucura da sua cabeça. E, com o ar mais serio do mundo, me perguntou, porque
eu haveria de pensar que uma pessoa não seria capaz de endoidar devido ao canto do sabiá. Esclareceu que, nesse mundo, tudo é possivel. Enquanto a pessoa não colocar para fora o que é desnecessario na vida, tudo se torna perigoso, pois é capaz de trazer para fora o que há de pior dentro dela. 

          Eu sabia que estava sendo sarcastico, embora tivesse uma expressão seria e ao mesmo tempo se divertindo com minhas duvidas e estranhezas.  

             Suspirei fundo, e quando dei por mim, Ghi Belique já 
estava longe, envolvido pela multidão dos transeuntes.  Ainda o vi,
à distancia,  antes de dobrar a proxima esquina.
 Passo tranquilo e pachorrento, sem se virar, levantou o braço esquerdo em sinal de aceno, como quem se despede e desapareceu. 



   

   

        

      

       
                         

          

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