domingo, 15 de julho de 2012
O CAMINHO PARA A OUTRA MARGEM
O velho indio yaqui, Dom Juan Matus, das historias fantasticas de Carlos Castaneda, se
coloca assim ao comentar sobre o silencio interior : "Desligar o dialogo interno é a chave do mundo dos feiticeiros. As outras atividades são meros auxilios, só o que fazem, é acelerar o efeito de desligar o dialogo interior".
Não é sem proposito que todas as tradições exotericas de todos os povos de todos
os tempos, desde o mais remoto Oriente até as planicies dos indios yaquis, a exortação tem sido sempre a
mesma. Mudam as palavras, a configuração, o sentido, no entanto, tem permanecido inalteravel.
Aquietar a mente tem sido, desde sempre, a lembrança a que somos convocados,
reiteradamente, para todos quantos desejamos a paz, a autonomia de escolhas e independencia de
decisões. Livrar-se da servidão do modo coletivo de ser, do passo uniforme e padronizado da vida normal.
Vida de figurino, onde a norma é ser normal, no sentido de ser fiel à norma, ao catalogo, ao
projeto da montagem em serie. Não sair da linha, não errar o passo, não é a isso que nos propomos,
quase todos, com extremo cuidado e empenho ? Não é essa uma das atividades humanas mais bem
monitorada, tentando nos precaver com o maximo de atenção ?
Em ultima analise, é o medo que nos faz ser e agir do modo como nos colocamos. E com
medo, a pessoa sairá da toca onde está escondido mesmo antes de ser ? Terá brios para honrar seu ponto
de vista quando sua visão não se ajusta ao ensaio geral, ao coro dos bem comportados ? Baterá continencia para si, ou ao vozerio da massa, da fila que segue pesada , com passo cadente, monotono, ao toque infindavel do um-dois, um-dois, com receio de olhar para os lados ?
Voce tambem se junta à multidão enfurecida exigindo mudanças, batendo em fundo de panela
para se fazer ouvir, reivindicando seus direitos de cidadão honrado e trabalhador responsavel ?
Estaria tambem disposto para pegar em armas, derrubar sistemas e tornar-se um revolucionario em
defesa de uma vida melhor, mais justa e menos dificuldades ?
No entanto, para deixar de fumar, começar um regime alimentar, disciplinar-se numa atividade
fisica, parar de se lamentar, silenciar a tagarelice infernal da cabeça - pois é, a verdadeira revolução
é para conosco mesmos, é particular, é interna e é pessoal. Não é transformando o mundo a condição
necessaria e imprescindivel que irá dignificar a vida, ou que produza as mudanças tão obstinadamente exigidas dos outros, quer sejam autoridades, conjuge, patrão, ideologias, politica ou instituições. Já se deu conta, que estamos sempre a exigir de alguem para que possamos estar bem ? Culpamos, criticamos, a quem quer que seja, na espectativa insana de dar, assim, solução para nossos impasses.
Qualquer revolução, antes de nada, deve começar dentro da gente, comprometendo-se com novas posturas e visões fora do modelo pré-estabelecido em forma de regimentação coletiva. O rebanho te promete segurança com a perda , entretanto, da liberdade, da autonomia, do autogoverno. Ser cuidado, nos
torna dependentes e vinculados. Não dispensamos ainda os cuidados maternos. Continuamos, vida à fora,
eternos filhinhos da mamãe, reclamando atenção, apoio e muita paciencia.
Podemos modificar coisas externamente, mas só no inteiror da nossa vontade podemos nos
modificar como seres humanos e vivermos, a patir dai, a maravilha daquilo que somos, maravilha que foi
suprimida pela desumanidade da socialização.
É preciso abandonar o mundo do pensamento habitual, que não é outra coisa a não ser a
reafirmação sobre a gente. A verdadeira mudança, a tão desejada e pretendida liberdade, tem inicio
quando o silencio interior finalmente surge como disciplina e compromisso. Mas quantos querem
realmente ser livres ? Quantos querem pagar o preço por tamanha conquista ? E os que tem conhecimento
do fato, quantos transformam informação em vivencia, em treinamento ? Queremos todos tanta coisa,
mas que isso, de preferencia, venha como dadiva de Papai Noel ! No entanto, o esforço por se
lançar em novos caminhos, abrindo paradigmas, num momento ou outro, será recompensado.
Gritamos, a plenos pulmões, por mudanças externas para termos paz, todavia não percebemos que não serão as coisas do mundo que irão nos tranquilizar, resgatando-nos do limbo de uma vida de faz de conta, pueril, descompromissada com valores de peso e criterio.
A imagem do mundo que construimos a partir de historias que ouvimos, é essa imagem, validada internamente, o mapa que servirá de guia e unico cenario que seremos capazes de reconhecer.
Enquanto continuarmos a nos orientar atraves dessa representação, as nossas dificuldades, temores,
tensões, fobias, o tedio de todos os dias e, a vida sem graça de sempre, enquanto isso persistir, as
infindaveis possibilidades disponiveis não farão parte da pauta, não estarão disponiveis na nossa agenda.
Ensinaram-nos, desde bem cedo, ouvido da boca de todos quantos nos quizeram bem, que
o importante é a pessoa, o que representamos para os outros, a pessoa social e não o que somos.
A obsessão nos deixa poucas saidas, pois o que se sobrepõe é a importancia pessoal, a imagem elaborada
a partir da socialização, assim como aprendemos a nos ver. Vivemos uma imagem, uma representação,
vida feita alegoria, vida metaforica, teatralizada, um ensaio geral.
Em função disso, a aparencia, a fachada tornaram-se o cartão de apresentação dos
participantes desse espetaculo tristonho, cacete e totalmente sem graça. Nos percebemos, uns aos outros,
atraves de mascaras e dissimulações. O que sobra da pobre vida uma vez descartada a hipocrisia, a
conveniencia do disfarce e interpretação de tipos ?
E quando chegar o tempo em que o palco lentamente baixar os panos, as luzes se apagarem,
e um silencio denso, pesado, doído se apossar da alma , não havendo mais plateia, ninguem mais, apenas
um espelho envelhecido, refletindo uma imagem palida, esmaecida, assustadora ?
Há um tempo para tudo, e para isso tambem. Ou será que não ?
Reorganizar a visão, é esse o chamamento, pois a realidade é criada por nossa percepção do mundo. E é a razão que sustenta esse modelo, cujo proposito é o de controlar tudo. É pela razão que organizamos
a visão do mundo, e é atraves dela que tentamos nos proteger. Nos apegamos ao fragmento da nossa
visão, desse modo não somos capazes de integrar a totalidade. Nos apegamos ao que somos
capazes de perceber e rejeitamos com todo rigor tudo quanto não se adaptar ao quadro geral da
da concepção original.
O caminho da razão pelo caminho da intuição.A renuncia te parece viavel ? Abrir espaço para a intuição atraves do silencio interior. E, pelo que se tem conhecimento, não há outra ferramenta que possa nos resgatar do sequestro que a mente nos impos com seu falatorio obstinado.
Dom Juan Matus nos sussurra ao ouvido, bem devagar, pausadamente, com carinho
para não esquecermos do essencial, do que realmente importa.
"Desligar o dialogo interno é a chave do mundo dos feiticeiros.... "
Se os que chegaram à outra margem é isso que nos propõe, não seria esse o verdadeiro
mapa atraves do qual deveriamos orientar nosso passo e comprometimento pela vida ?
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