sábado, 21 de julho de 2012

E O SENTIMENTO SE FEZ SAUDADE


             Existem certos estimulos, como se fossem gatilhos, que nos possibilitam viajar no tempo.
  Sinais, sons, visões que, num simples relance, nos projetam para um outro tempo, para outros cenarios,
arquivos, até então  fechados, que se desdobram, revelando seus conteudos perdidos na memoria.
   
      E a lembrança esquecida se torna viva novamente, percorrendo o corpo num leve tremor, como num susto nos pegando de surpresa. Como magica, somos, inesperadamente, arremessados para um outro
mundo, paisagens que não nos são de todo estranhas, pois um dia estivemos aí, mas já de todo olvidadas.

        Será que o tempo realmente passou, ou ficou guardado como se guardam coisas velhas no
quartinho dos fundos, não mais requisitadas, mas ainda presentes ?  A gente já esteve lá. Como foi
que  esquecemos do panorama com seu colorido, com seu cheiro, com seu encanto ?

                 Se entreabrirmos a portinha das imagens esquecidas, a lembrança delas continuará presente
em forma de sentimento, talvez com matiz de saudade. A paisagem era linda, o movimento era solto,
e havia visões de outros mundos. Tantos sonhos ! Expectativas sem fim !


         E, de dentro do paraiso, tinhamos sonhos de um paraiso futuro -  a grande quimera de um tempo
glorioso projetado para dentro de um outro tempo. A impressão  que se tinha, era que aquele momento  
seria  um tempo de passagem para momentos melhores, num outro tempo. O tempo como ponte.


                E isso continua vida a fora, ao longo de toda uma vida, sempre à espera, na esperança
que a paz e o contentamento estarão na proxima esquina, no proximo ano, num outro evento.


     E, nessa fria manhã de domingo, o sol ainda timido, escondido por entre nuvens, embaçado pela
bruma, ouvi o canto misterioso de um passarinho estranho empoleirado por entre os galhos de uma
bergamoteira garregada de frutos. O som me era familiar, mas a lembrança era de um outro tempo, pois não consegui reconhecê-lo, perdido em registros de arquivos remotos.  


                  Foi então que o canto melodioso daquela bolinha emplumada, fofa, encantadora, trouxe
consigo um universo de imagens, de lembranças e movimentos de um outro tempo. O menino corria
solto como se o mundo não tivesse limites, como se não houvesse horizontes. Calça curta, pés
descalços, os campos floridos e os pomares abundantes. A algazarra da passarada se misturava à
alegria da gurizada despreocupada e sem compromissos. A infancia é isso. Tem-se a impressão
que sempre estará aí e que seremos crianças para sempre. É por isso que traz saudades, pois
parece ser um tempo que jamais passará.


                E lá estava ele, no alto da bergamoteira. Uma bolinha escura, pequenina, quase imperceptivel
por entre a folhagem escuro-esverdeada, entoando sua cantiga alegre, suave e comovente. Ele estava
lá, o  canto foi ouvido de um modo displicente, mas se fez lembrança, guardado em memorias no
fundo da alma.
                            E o sentimento distante foi recuperado atraves daquela lembrança. Na verdade,
a coisa sempre esteve aí, como uma presença sutil, um movimento silencioso, feito de quadros  
sobrepostos  como num filme, passando morosamente. 


       Parecia um truque, mas a presença não deixava duvidas. Era real. O som daquele gorjeio abriu
um espaço, um outro nivel de percepção, uma consciencia estranha, para uma realidade distante
de um outro tempo como se fora um album amarelado, cujas imagens, mesmo desbotadas, ainda
guardando o mesmo significado e sentimento de quando vividas naquele tempo.


                   O episodio original se perdeu nos arquivos das memorias passadas, mesmo assim,
 permaneceu cuidadosamente preservado. E o som saudoso da bolinha de penas trouxe consigo
tambem o menino folgado de calça curta, de pés descalços que olhava para o mundo como se não
 houvesse tempo, como se não houvesse saudade.  


             O homem feito olha emocionado para o menino faceiro que não conhecia limites. O menino
alegre, que ainda corre por entre os pomares e os campos floridos atraves de imagens que são
lembranças, mas mais que isso, são sentimentos. Recordações que se tranformaram em saudade,
uma dor pungente de quando se perde o que nos é tão querido. 


                O canto ouvido nessa manhã fria de domingo, em que o sol ainda era timido, não foi
uma simples cantiga de um passarinho estranho, pulando por entre os galhos de uma bergamoteira
garregadinha. Foi uma presença ressurgida dentro do tempo, de um tempo que se transformou em
lembrança,  a lembrança  em sentimento, e o sentimento.... pois é, o sentimento se fez saudade !



   

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