sábado, 5 de abril de 2014

O INFERNO DE DONA MARIA


 - Como está, Da. Maria ?
 - Um pouquinho melhor. Já não doi tanto, e o enchume
      tambem já cedeu um pouco.
 - Que bom, Da. Maria. Espero que melhore de todo. 
      Fique com Deus.
 - Vai com ele tambem.
 E cada uma seguiu seu proprio caminho.

 Um tempo mais tarde...

 - Olá, Da. Maria, que bom revê-la. Como tem passado ?
 - Ihch, minha filha, piorei de todo. Estou indo para o medico.
     Até acho que o tratamento não serviu para nada. 
       Já não sei  o que fazer com essas dores, 
       com esse sofrimento sem fim.
 - Não se entregue, Da. Maria. Continue a tomar seus remedios
     e fé em Deus.
 - Fé que não falta, minha filha, o que falta é o doutor acertar
     o remedio.

 Cabisbaixa, desanimada, acenou para a amiga, se despedindo.

 A outra ficou pensando na luta da amiga. Quanto sofrimento !
     Sempre doente, correndo de um lado para o outro,
      de consulta em consulta, exames interminaveis, RX, eletro,
       RM e sabe lá Deus quanta embromação a mais. Mas, 
       solução, que é bom, nada. Enquanto isso o coração continua
       descompassado, a tireoide pifada, diabetes sem controle,
       afora as cirurgias sem conta, e por aí segue a via crucis 
       interminavel da infeliz Da. Maria.

Dia desses pensou em acabar com tudo, porque viver dessa
        maneira perdeu toda graça. Mas faltou-lhe coragem, e teve
        medo da dor. Ouviu falar que se matar doi muito, alem do
        que, poderia parar no inferno. 
        Mas, inferno por inferno... mesmo assim, deixou para lá.
      

 Os filhos não estão nem aí,
        pois cada um está pela propria sorte. O primeiro marido
        já se mandou, faz tempo, e o atual, esse tambem está sem 
        serventia. Um imprestavel, resmunga ela baixinho.

O padre Francisco lhe falou que é para aguentar, pois quem não
       desiste, tem o paraiso assegurado. 
        Despediu-se do reverendo, e ficou pensando nesse tal de     
        paraiso. Achou o conselho um pé no saco, pois se soubesse
        da sua situação, não falaria tanta tolice.
         Seguiu então seu caminho, mais desconsolada ainda, sem
         norte, sem esperança e sem estimulo qualquer.

Há um tempo em que a pessoa transforma-se num simples 
       amontoado de dores, de queixas que ninguem ouve, 
       de peso que já não consegue carregar. 
        Está só. Até de si mesma.

Agarra-se então às caixinhas com seus comprimidos coloridos,
      ultimo alento para quem tudo perdeu, não tendo mais
      em que se segurar. Mas, quando o encanto da vida se foi, o
      desejo de viver escorregou pelo mesmo ralo, 
       esperando até que o medicamento não funcione,
        desfazendo-se assim da vida, sem sentimento de culpa.

Quem não encontra mais sentido na vida, nada mais poderá ajudar.
        A vontade primordial da vida não está mais
       presente. Perambula pelo mundo como um fantasma.
       Um fantasma mal-assombrado. 
       Já está morto. Faz tempo. Falta apenas anunciar o funeral.
        





Um comentário:

  1. Mesmo diante da confusão e a dor que ela, a confusão mental, dadivosamente dá, o conforto é algo que pode acalentar as noites antes da partida. Mesmo sendo um conforto de quem ainda sofre de todas as perguntas e senões. Ninguém aposta na vida da confusão colorida, contudo, as condições de liberação não são atingidas quando nos deparamos com com tal dor. O processo de introspecção nos(me) relega a dor semelhante. Para quem ouve/sente/avalia/desopila as dores daqueles que o buscam, o descanso há de ser pleno. Sempre grata, Ana.

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