quarta-feira, 6 de março de 2013

QUANDO A AUSENCIA NÃO É A EXPRESSÃO DO VAZIO


     
       Sem desfazer-se de tantos enfeites, badulaques e penduricalhos de toda ordem, que não fazem mais que aumentar o peso da bagagem, já incomoda, adicionando apenas mais desconforto e desencanto, à medida que a ambição acentua e a imagem adquirir mais brilho e destaque - sem essa faxina, essa depuração, descartando os superfluos, selecionando o essencial, saneando
radicalmente o mundo dos conceitos - a modificação que todos buscamos para uma vida plena, gratificante e de realização, torna-se de todo inviavel.  

  Com mais ou menos dramaticidade, a verdade é que todos sofremos. E, de uma forma ou outra, buscamos, todos, as salvaguardas da racionalidade
para ficarmos do lado seguro da cerca, onde a paisagem é conhecida e as regras do jogo, familiares.

  Buscamos a segurança dentro dos limites estreitos da razão. Pois desconhecemos de todo outros roteiros, e qualquer outro cenario nos é de todo desconhecido. Desfazer-se desse controle, abrindo  mão da programação racional, dentro da qual elaboram-se os
codigos de segurança e proteção, é a premissa para ter-se acesso às mudanças, atraves das quais a grande modificação possa por fim concretizar-se. Em outras palavras, para não ter que submeter-se 
ao comando austero e inclemente do mestre sofrimento.

  Sem essa mudança, essa reorganização interna, os caminhos de novas possibilidades estarão fechados. " Essa mudança não é uma
mudança de estado de espirito, nem de atitude, nem de ponto de vista; essa mudança implica uma transformação do mundo 
racional".

Essa transformação, no entanto, não visa à destruição do mundo da razão. Não tem o significado de não mais pensarmos ou abrir mão dos planejamentos ou das nossas agendas. Não é isso. Afinal, é esse o nosso mundo. Não podemos renunciar a ele. Necessitamos da mente para estarmos aqui. Necessitamos do pensamento como modelo, como matriz para a elaboração da nossa realidade. Afinal, criamos pensando, não é assim ?

O problema se coloca quando a mente sobrecarrega-se com valores
prescindiveis e superfluos considerados importantes e necessarios.
Agarramo-nos à sua estrategia com a firme convicção de ser a unica
possibilidade dentro da qual a vida possa ser conduzida.

 Arrumamos o mundo de acordo com as regras da racionalidade.
 A mente governa, no entanto é vulneravel. Toda vez que nos deparamos com o imprevisto, a surpresa, a desgraça, o mundo organizado por ela sofre um abalo na sua estrutura, e ela propria se encolhe, e, não raras vezes, se aniquila.
A razão dá o fora, sem perda de tempo, quando os limites estreitos e seguros, onde se ancora, forem rompidos,  A perplexidade
e o desalento nos tomam como vitimas indefesas; e negamo-nos
a olhar que não seja a que nos acostumamos.   

                   Cercamo-nos habilmente de tantos recursos e truques
cuja unica finalidade não é outra que a elaboração de um conceito de auto-avaliação, atraves do qual nos vemos e nos fazemos ver. 
Imagem de identificação no espelho das coisas a que nos 
apegamos. Isto é, as coisas criam uma imagem na qual me reconheço e identifico.
                      Crio um mundo que é identico a essa imagem. Molde
gerador de realidades. Assim, criamos à imagem e semelhança da imagem que construimos frente as coisas que nos identificam.

Surge, a partir dai, o questionamento inevitavel : a realidade estruturada atraves de uma simples imagem, tem ela consistencia ?
É real, ou é apenas um efeito de ilusão de otica, não tendo portanto
existencia verdadeira ? 
Porque o mundo desmorona à toa, esse mundo criado dentro de um conceito racional, quando a imagem não for mais sustentada ? 

Criamos em função de como sentimos. Quando a auto-percepção muda,  essa mudança aniquila a realidade fundamentada nessa percepção. Frente a isso cria-se o impasse : o que diferencia a
ilusão do que é real ? A vida que vivemos é feita da mesma substancia de que são feitos os sonhos, os pesadelos, ou tem
consistencia real, consolidado e fundamentado na solidez ?

Já que a percepção que se tem de si manifesta o mundo dentro do
qual cada um irá experimentar a vida, em conformidade com essa 
concepção, não deixa isso de ser importante ? Ou melhor, vivemos a vida que somos capazes de sentir. A realidade se estrutura dentro do contexto da virtualidade racional. Trazemos para o exterior
nossa configuração interna.

Assim, ter um juizo de valor de si que seja  positivo, sem auto-comiseração, sem culpa, nem constrangimento, não reside aí o poder pessoal de cada um ?  É com esses parametros que
criamos mundos de realidade.

Esse roteiro, elaborado dessa maneira, é benefico enquanto funcionarmos exclusivamente a partir do centro da razão. Pois a visão do mundo, a realidade existencial forma-se dentro desse contexto. Necessitamos do mundo das coisas para aí nos encontrarmos e termos a percepção de ser. O sentimento do "eu"
forma-se e se amplifica pela coisificação da vida, o que, por sua vez, traz mais disso para a vida de cada um. A forma atrai forma.

O sentimento de realização e importancia de si provem das nossas conquistas, trofeus e feitos.
Não é sem motivos que a auto-imagem é assim exigente, despotica e eternamente insatisfeita.
Sua satisfação não consegue ser completa, não importando o quanto
seja rico seu mundo de manifestação.
O ter sem fim, não irá aplacar a sede de conseguir cada vez mais.

Parece paradoxal a agua produzir cada vez mais sede. E o paradoxo
se completa, quando a realização suprema se concretiza na ausencia total da necessidade de sentir-se importante.
Age somente por agir, sem esperar recompensas, sem buscar elementos nos quais se sinta solido e seguro.

Não ter mais que ancorar-se no mundo das coisas para sentir-se
estruturado, informa que a pessoa teve acesso a outros niveis,
mais profundos, onde a razão deixou de ser o protagonista, sem
no entanto ter-se reduzido tanto que tenha sumido de cena.

A mente continua lá, sem no entanto manter-nos refens do seu
dominio. Saneada, faxinada, livre de tantos penduricalhos,
estará à nossa disposição para ser usada, e não mais sermos usados
por ela.
É quando o pensamento se torna realmente criativo. Quando não pensamos mais.

Quando a necessidade de mais e melhor tiver sido finalmente 
extirpada, é que a pessoa terá acesso à consciencia da sua
verdadeira natureza.

Afinal, a ausencia nem sempre é a expressão do vazio.






  

Um comentário:

  1. Aguardei por dias a postagem....
    Estou muito feliz!!!
    Conseguir libertar-se dos "mandos do pensador" é um alívio enorme...
    Abraços fraternos,
    Márcia

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