quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O MENININHO DA PRAIA


             O menininho estava à sombra do guarda-sol com
sua mãe, ambos, aparentemente, apreciando o mar, as pessoas que vão, outras que vem, as gaivotas esvoaçantes, a leveza do momento ou, quem sabe, não fizessem nem uma, nem outra coisa, apenas perdidos em seus pensamentos de sempre, no falatorio na cabeça que não permite a pessoa ver apesar de estar olhando.

   Chamou-me a atenção a postura recatada da criança. Sentado em sua cadeirinha de praia, ao lado da mãe, em
silencio, como um espectador disperto, indiferente ao cenario, alheio à agitação em sua volta,
enquanto outras crianças corriam de um lado para o
outro, pulando as ondas, atirando agua uma nas outras, em
efusiante gritaria, quais passarinhos recem libertos de suas gaiolas.

  O menino, de  shortinho bege, ate abaixo do joelho, 
 camisa colorida de manga curta e um boné que lhe fazia sombra no rosto, resguardando-o do sol, ou, quem sabe, dos perigos do mundo, parecia não importar-se com os acontecimentos à sua volta, estando aí em função da mãe, pois aquilo não animava-lhe em nada o espirito.

  A gurizada continuava a algazarra, divertindo-se igual
cãozinho livre das coleiras, amarras e limites impostos por
contingencias e regras de toda ordem. Estavam felizes sem importunarem-se com nada e ninguem mais.

  A alegria das crianças, assim como dos nossos serelepes cachorrinhos, correndo, pulando, com seu latido
 assemelhando-se à gargalhada solta, fala-nos de algo 
que evoca bem-aventurança, um sentimento de graça como se fosse sorte. O momento em si é perfeito porque o jubilo  
é total, assim como a satisfação.

 A alegria, quando genuina, não tem causa aparente, sendo
apenas o extravazar natural do espirito, em forma de fluxo de energia, que simplesmente se faz quando a mente serena.
 A vida então manifesta-se, revelando todo seu esplendor, magia e abundancia.
O ambiente se contamina, propagando bem estar e
 animação para o universo inteiro.
 
A descontração festiva da criançada, seduziu a indiferença
e a apatia do nosso menininho sentado sob o guarda-sol.
Sentiu-se estimulado para tambem envolver-se e ser feliz.

 Levantou de um salto, como obedecendo a um comando
subito, imprevisivel, indo em direção ao mar.
A mãe, perdida em seu dialogo interno incessante, fluxo e
refluxo de ideias, imagens que se sucedem como num filme
sem fim, apesar da sua pessoa estar envolvida pela confusão
mental, o lado maternal, por sua vez, estava vigilante.

  Quando viu o menino dirigindo-se para a agua, tambem
saltou como num movimento automatico, alcançando-o logo
à seguir, a meio caminho da espuma das ondas.
Nesse instante, segurando-o pelo braço, bombardeou o
guri com voz imperiosa, recomendações de toda ordem.
E, entre gritos e fala rapida, foi lhe passando o manual de instruções de mãe amorosa e precatada.

 - Filhinho, cuidado ! Coloca o chinelo, vê onde pisa, fica
só na beirinha... cuidado, não molha a roupa, segura o
boné... cuidado, filhinho... muito cuidado !...

 O piazito, à medida que mamãe ditava as normas dos
encargos da prudencia, foi murchando, contendo o entusiasmo, a vontade e a disposição
para tambem participar da alegria festiva proporcionada
pela gurizada feliz.
Quando, por fim, a mãe cessou sua litania de cuidados chocantes, baixou a cabeça, colocou as mãozinhas no bolso da sua bermuda bege, à meia canela, puxou o boné para frente, olhando para o chão, e, com voz debil, quase inaudivel, balbuciou, entre lagrimas : mamãe não quero
 mais entrar no mar.

Voltou a sentar-se na sua cadeirinha de praia, sob o
guarda-sol, ao lado da mamãe espaçosa, em total segurança
e proteção ( proteção que mutila o espirito, deforma a
vontade e os impulsos de vida ).

Há momentos cruciais na vida em que os caminhos se bifurcam, retornando-se jamais ao rumo original. Rotas
confusas em mapas estranhos, na ausencia de bussulas.
Talvez o que permaneça seja apenas o sofrimento e a
resignação como roteiros exclusivos ou marcos de
sinalização.

As pessoas continuavam a passar, indo e vindo, descontraidas à beira mar. As gaivotam planando como se
fossem sem peso, ao sabor do vento, como pandorgas. 
Ao longe uma embarcação, talvez um navio
 pesqueiro, deslocando-se lentamemte. Uma pipa,
cortando o ar, tentando subir. O ruido do mar. O pescador
sentado, esperando o movimento da linha. A aragem tepida.
O sol entre nuvens. A praia.

  Nunca se sabe em que espaços obscuros e confusos são traçados os roteiros que servirão de caminho quando escolhas tem de serem sustentadas, num outro tempo, adulto
já feito. As escolhas já não teriam sido, por ventura, feitas,
 à revelia da disposição pessoal ? Haverá, então, ainda  espaço disponivel para a autonomia e liberdade para novas
opções ?

  Somos como massa de modelar. Uma vez a modelagem
feita, somente com muita coragem e determinação heroica
para que aquilo seja desfeito.

  O que ouve-se reiteradamente em criança, seja
 construtivo ou não, irá confirmar-se, feliz ou
infelizmente, a seu devido tempo.














  

   

Um comentário:

  1. Mestre...muito bom...
    Lição de vida...
    Somos capazes de remodelar nossa vida...
    Mas precisamos de muita determinação e perseverança...
    Um abraço fraterno,
    Márcia

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