domingo, 10 de novembro de 2013
O TEMPLO, A BODEGA E A FARMACIA
Lá vai a devota senhora, com passito lento, recatada, com
aparencia sobria, à caminho do culto dominical.
Vai cumprir o dever sagrado com as divindades
da sua devoção..
Vestiu sua roupa melhor, a que veste em dias festivos,
com as cores e o estilo combinando à rigor.
Sapato lustroso, maquiagem discreta, perfume igualmente suave. Cabelo embranquecido,
mas devidamente engomado, que o vento matinal
não consegue desalinhar. Estava enfeitada como quem
espera inquieto por seu querido.
Segue em frente com certo requinte. A elegancia
afetada, porem, não dissimula o que o passo arrastado
evidencia. Quando as ideias perdem a flexibilidade, ou quando
falham, não há postura externa que minimize tal ausencia.
O inflexivel interno torna-se visivel, por mais que se
tente ocultar com artificios de toda especie.
O que a maquiagem esconde, a postura sempre evidencia.
Seja lá como for, lá vai a devota com seu traje impecavel,
e aparencia sobria, em busca da benção para continuar
se levando, um bocadinho mais, mais de arrasto,
pelos caminhos da vida.
Eu ainda ouvia os sinos repicando, chamando o povo do lugarejo
para a liturgia domingueira.
Enquanto isso, do outro lado da avenida, outros seguiam para a
bodega, outra forma de santuario, executando outro ritual,
mas com o mesmo fervor religioso que qualquer outra crendice.
Imagino que a bebida inspira uma
certa dignidade, pois, igual ao igrejeiro, busca tambem
consolo e alento para manter-se desperto, escorado aqui e acolá,
da maneira que der no jeito.
Afinal, cada devoro abraça seu milagreiro predileto.
A reverencia passa por templos, santuarios de todos os credos,
com suas liturgias sagradas, ou mesmo profanas, com o unico
e singular desejo de alcançar conforto para a angustia existencial, que pesa fundo no espirito de cada ser humano.
Cada porta que se abre com tal perspectiva, não faltarão
devotos a consagrar suas vidas por um pouco de esperança.
Quando perde-se a perspectiva de si mesmo, será erguida, em
pedestal, qualquer esquisitice, para reverencias de idolatria.
Acreditamos em deidades ou demonios, seja como for, o que
buscamos, é segurança e proteção.
Não importa a representação do simbolo. Se for glorificado pelo
fervor, há promessa de salvação.
É por isso que, nas adjacencias, ladeando a igrejinha, uma farmacia, da mesma forma movimentada, seus devotos buscando conforto,
que, de outra maneira, não foram capazes de recobrar.
Os negocios prosperam. Basta observar. Cada qual com seu comercio, mercantilizando a infelicidade e o sofrimento alheios conforme a danação de cada buscador.
Fiquei pensativo. Cada um vai à cata dos seus orixas, dos seus
santos, cada um selecionando sua droga predileta,
para entorpecer-se da realidade,
e ir levando a vida como deus quiser.
Que seria, contudo, do povo humana sem essas
e outras mil forças de distração (destruição), para encarar
o tedio e a condição infeliz
dos enfraquecidos, psiquicamente confusos,
entristecidos e desnorteados ?
A infelicidade essencial, contudo, não será superada com
os mesmos males dos quais tentamos nos libertar.
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